Comportamento & Equilíbrio

Adolescência hoje, as dependências, as violências — Parte II

Onde estamos falhando? Como nossos adolescentes, mesmo que sejam alguns, se tornaram executores de tamanha crueldade?

A Adolescência, conceito que tem, aproximadamente, uns 100 anos, refere-se ao período de crescimento extraordinário, com uma revolução hormonal que atinge o rompimento de padrões de vários sistemas, de curta duração, vem se estendendo, e começa cada vez mais cedo e termina cada vez mais tarde. Se por um lado o adolescente adquire a mobilidade urbana independente, ele não responde civilmente pelos seus atos. É uma situação híbrida à espera da maioridade.
Até o Século XVII o Infanticídio era tolerado. Isso foi há pouco, se considerarmos o tempo enquanto histórico. O pai podia dispor do filho o quanto quisesse. Até para eliminá-lo ou jogá-lo numa masmorra para sempre. Era uma questão resolvida tão somente pelo patriarca. O menino saía da infância para a vida adulta, como força de trabalho, quando seus músculos se desenvolviam. A menina era ensinada a se ocupar dos cuidados da casa, dos idosos e dos pequenos.

Quando surgem os primeiros Direitos Fundamentais, a adolescência passa a ser estudada e ganha status de Fase do Desenvolvimento Biopsicossocial. Sem saber lidar com as explosões que a constituem, essas incongruências fazem do adolescente alguém muito tumultuado, em constantes idas e vindas entre a onipotência, tem a solução para os grandes problemas da humanidade, e a impotência por ter medo de não conseguir ser “grande” nos aspectos sociais e afetivos que se apresentam. Essa vulnerabilidade acaba por lhe conferir uma fragilidade na captação de dependências, as mais variadas.

Mas, parece-me, que a mais arriscada das mobilidades que adquire é a tecnológica. Contemplando aspectos dolorosos para ele, como o distanciamento físico, a possibilidade de invisibilidade, o campo do “pode tudo”, a internet lhe parece “solucionar” muitas angústias que lhe afligem.

Aumento da violência entre jovens é assustador (Foto: Freepik)

Sem saber onde alojar a violência infantil diante das frustrações, que engrossa e ganha força física com o crescimento da adolescência, acrescido da atração pela prometida proteção do pertencimento a um grupo, o adolescente se encaixa a vozes radicais ocultas no anonimato da internet. Primeiro foi um esfriamento emocional, uma redução na solidariedade e empatia. Em sequência, abriu-se a porteira da violência, da barbárie.

Falo da contaminação como o mercúrio pelos rios que atravessam garimpos clandestinos, contaminação incontrolável. Um adolescente violento tem a infantilidade e inconsequência irracional da criança e a força física do adulto. Estamos assistindo, cada vez mais, a episódios de violência contra adolescentes, praticados por adolescente. Uma mãe na Inglaterra escreveu sobre a omissão da IA em relação às inúmeras comunicações da filha, de sua ideação suicida. Mas a IA, é a IA, e hoje ocupa um espaço, pretensamente, terapêutico, e foi lhe respondendo com sugestões de vida ao ar livre, exercícios aeróbicos, etc., até que o suicídio chegou.

Entre nós, em Mato Grosso do Sul, foi feito e circulou um vídeo numa escola em que uma adolescente é espancada, em sessão de tortura, por ter se negado a dar um “geladinho” para um colega, em ritual que seguia a fila das adolescentes agressoras, por tempo determinado, em posição também determinada, para receber uma série de socos e pontapés em explosão de fúria. É possível perceber a diferença entre as espancadoras, algumas pareciam ter entrado em transe durante a prática da violência.

Em Minas, uma menina de 11 anos, Alícia, morreu de espancamento executado num banheiro da escola. O motivo da “punição”, não consegui apurar. Parece que ela não teria concordado em “ficar” com um garoto, (dar uns beijos). No entanto, penso que nada, absolutamente nada, pode ser dito como motivo porque nada faz sentido numa violência desse tipo subanimal.

Em São Paulo, Nicolly, 15 anos, foi assassinada pelo namorado de 17 anos e a ex-namorada de 14 anos. Tudo planejado, farta produção de crueldade, que incluiu espancamento, tortura e esquartejamento, com ocultação dos pedaços. Não podemos atribuir a um impulso, a um descontrole, a um surto reativo. Cruel demais, não é? Todos ficamos chocados e rejeitamos falar disso. Mas precisamos pensar sobre.

Garota sendo intimidada na escola (Foto: Freepik)

Onde estamos falhando? Como nossos adolescentes, mesmo que sejam alguns, se tornaram executores de tamanha crueldade? Parece que nossa violência tão naturalizada e banalizada, foi aprendida pelos adolescentes. E, em sequência do mecanismo de defesa a Identificação com o Agressor para suportar o medo de ser a próxima vítima do predador, em cascata de banalização, segue contaminando e contaminando.

Não entendemos o porquê, nem o para quê. Bater até que a colega não se mexa mais, como se uma formiga esmagada fosse? Torturar com golpes até a morte e esquartejar o corpo inerte? Espancar e ficar olhando por dias e dias os hematomas, as dores, as costelas quebradas que não deixam sentar por muito tempo no banco escolar?

Meninos se embriagam de ódio pela “mulher”, e se agrupam em torno de novos apelidos, Incel, Red Pill, MGTOW, para atacar a figura feminina, calçados numa certeza de que são rejeitados pelas meninas/mulheres. A misoginia estrutural é garantida pelas diretrizes masculinistas.

O que me chama atenção, especialmente, é a misoginia das meninas. O que move os atos contínuos de socos e pontapés numa outra menina? E pior, o que move uma menina cortar em pedaços outra menina? Seria a banalização da violência? Penso que a publicidade leva a caminhos para muito além de um objetivo rentável ou dizível. Mas isso é pouco como pista. E, enquanto continuamos inertes, nenhuma política pública efetiva e consequente, nos distraímos em falar, falar, e pouco fazer. Nossa paralisia como Sociedade, como Estado, é o avanço da violência, da barbárie.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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