Família, adoção e leis: como era a vida na Antiga Babilônia?

Por volta do século 18 a.C., o Antigo Império Babilônico, uma das maiores e mais antigas civilizações que o mundo já viu, vivia seu auge
Por Éric Moreira
A região onde está o que hoje conhecemos como Oriente Médio, há milênios, foi o berço de algumas das civilizações mais antigas que o mundo já viu. Foi lá onde se estabeleceu a Mesopotâmia, por volta do sexto milênio a.C., próximo aos rios Tigre e Eufrates — onde hoje estão o Iraque e o Kuwait, além de partes da Síria, Turquia e Irã — que é amplamente vista como uma das bases do mundo ocidental.
E uma das cidades mais importantes que se formou na região foi a Babilônia, às margens do rio Eufrates, na Baixa Mesopotâmia. Ela atingiu seu auge durante o reinado do famoso Hamurabi (entre 1792 a.C. e 1750 a.C.), que consolidou a capital do Império Babilônico como um centro cosmopolita, que atraía migrantes de toda a região.
O império como um todo já vinha ganhando poder e prestígio durante o Antigo Império Babilônico, mas foi com Hamurabi que começaram a dominar grandes extensões pela Mesopotâmia, como as cidades de Ur, Eshnunna, Assur, Nínive e Tutul. E em paralelo ao crescimento de extensão e poder de Hamurabi, o reino também florescia cultural, econômica, social e religiosamente, em especial em sua capital.
Surpreendentemente, embora remontem a tempos tão remotos, milhares de textos cuneiformes babilônicos sobreviveram ao tempo, e fornecem vislumbres impressionantes sobre como era a vida dos babilônios. E é claro que, embora existam registros de reis, grandes confrontos militares, embaixadas diplomáticas e códigos legais, o mais valioso está em conhecer o dia a dia desse antigo povo.
Segundo o National Geographic, toda a comunidade se estruturava em torno da família. Uma casa típica costumava ter apenas dois ou três cômodos, às vezes até mais, construídos em torno de um pequeno pátio aberto. Esses cômodos poderiam ser utilizados como quartos, ou até como oficinas ou lojas. E as casas mais ricas ainda contavam com cômodos extras, incluindo banheiros e espaços com sistemas de segurança para guardar objetos de valor, ou até pequenos santuários religiosos.
Já sobre a própria estrutura familiar, elas geralmente se baseavam em casamentos monogâmicos — embora fosse possível ter mais de um casamento em casos específicos, como quando a primeira esposa não pode ter filhos ou comerciantes que passem longos períodos em outra cidade — e os acordos matrimoniais eram feitos por escrito, descrevendo detalhes como o dote que a família da noiva deveria oferecer.
Outro aspecto relevante é que, mesmo nessa época, o casamento não necessariamente tinha que durar para sempre, e o divórcio era possível. Vários textos babilônicos preservados inclusive mostram como ocorriam essas separações — que, no idioma antigo, eram chamadas de “cortar a bainha”. Um objetivo fundamental nos casamentos, certamente, era ter filhos. Inclusive, caso um casal não pudesse ter filhos por qualquer motivo, havia uma série de protocolos que eram seguidos, incluindo o uso de certas ervas, amuletos e até práticas mágicas para superar a esterilidade.
Porém, caso não fosse possível gerar uma criança, os casais também podiam adotar um bebê, uma criança mais velha ou até um adolescente. Historiadores acreditam que isso era relativamente comum, visto que há vários textos sobre adoção que perduraram pelo tempo. No caso, a adoção criava um vínculo legal entre adotante e adotado, semelhante à filiação biológica. E isso poderia ser feito por várias razões, como obter um herdeiro, um aprendiz ou mesmo alguém para cuidar dos pais adotivos durante a velhice, e até cuidar dos ritos funerários. O adotado, por sua vez, poderia herdar uma propriedade e até aprender um ofício nesse caso — era comum também adoções em que a criança se torna aprendiz do pai adotivo.
Por exemplo, uma placa encontrada na cidade de Nuzi, no norte da Mesopotâmia, datada do século 15 a.C., diz: “Huitilla, filho de Warteya, deu seu filho Naniya em adoção a Tirwiya, servo de Ennamati. Tirwiya deverá providenciar uma esposa para Naniya e treiná-lo no ofício de tecelão… Se Tirwiya não treinar Naniya no ofício de tecelão, Huitilla poderá, nessas circunstâncias, aceitar de volta seu filho Naniya”.

Na Babilônia, era comum que os jovens fossem treinados em casa, seguindo quase sempre os passos e o ofício do pai. Há dezenas de casos certificados com escribas, sacerdotes e artesãos, por exemplo, que transmitiram a profissão por várias gerações; ou então, em certos casos, que transmitiam a alguém com quem tinha um contrato de aprendiz.
O artesanato era uma prática bastante valorizada pelos babilônios, mas também havia várias outras profissões como jardineiros, ferreiros, padeiros e construtores. Muitas vezes, mulheres, crianças e escravizados também trabalhavam com tecelagem, cardagem (desembaraçar e preparar fibras) e piação (limpar e aumentar a espessura de um tecido). Esses produtos, por sua vez, eram vendidos por toda a Mesopotâmia por mercadores que seguiam rotas comerciais já bem estabelecidas.
Mas, é claro, a vida dos babilônicos não era apenas trabalho. O entretenimento também era parte fundamental do cotidiano destas pessoas, que muitas vezes também tocavam instrumentos, como a flauta, e praticavam dança. Havia músicos e dançarinos, e outros artistas profissionais como cantores, encantadores de serpentes, acrobatas e treinadores de ursos.
Também havia vários jogos comuns que faziam, em especial as crianças, sendo os dados — feitos com ossos cúbicos tirados dos tornozelos de animais — os mais populares. Inclusive, eles poderiam ser utilizados até para “prever o futuro”, lançando-os em tábuas de argila com marcações dos signos do zodíaco. Além disso, os babilônicos ainda tinham festas e procissões religiosas em épocas específicas, com destaque ao festival de Ano Novo chamado Akitu. Nesta ocasião, era celebrado quando Marduk, a principal divindade do panteão babilônico, celebrava sua vitória sobre a deusa Tiamat — marcando a criação dos céus e da terra — em uma festa que reunia ricos e pobres, deuses e pessoas comuns.
Fonte: Aventuras na História