Espécie exótica de lagarto é registrada em Noronha e liga alerta de biólogos
Há pelo menos 30 espécies identificadas dentro do gênero Tropidurus, todas elas ocorrem na América do Sul
Ilhas são ambientes muito frágeis do ponto de vista ecológico, pois são espaços isolados, com alto grau de endemismo e qualquer desequilíbrio tem um potencial mais devastador do que teria em um ecossistema continental. Por isso, a identificação de uma espécie de lagarto, até então restrita ao continente, na ilha principal do arquipélago de Fernando de Noronha, preocupou especialistas. O registro corresponde a um indivíduo do gênero Tropidurus, de espécie ainda não identificada, e foi feito em janeiro de 2019. Em março de 2020, a descoberta foi apresentada no 23º Congresso Brasileiro de Zoologia.
Desde então, foi o único registro deste lagarto, um tipo de lagartixa, em Fernando de Noronha. Mesmo com o intervalo de mais de um ano sem outro avistamento do animal, os pesquisadores seguem alertas, pois sabem que a introdução de uma espécie exótica como esta pode trazer grandes impactos sobre a fauna local. Principalmente sobre a mabuia (Trachylepis atlantica), espécie endêmica e único lagarto nativo do arquipélago, com a qual pode competir por alimento e habitat.
Na ilha, já existe um outro lagarto invasor, o teju (Salvator merianae), o maior lagarto das Américas, introduzido na década de 60 para controlar a população de ratos e sapos. A população de tejus na ilha foi estimada, em 2004, em oito mil indivíduos, e no cardápio do bando estão inclusive as próprias mabuias, além de aves e caranguejos. A lagartixa exótica recém-descoberta é bem menor do que o teju, e se alimenta de presas menores, como insetos e aracnídeos, um cardápio compartilhado pela mabuia.
O registro da lagartixa foi feito pela bióloga Lisandra Bezerra, parte da equipe do projeto Golfinho-Rotador, no Mirante da Baía dos Golfinhos, dentro da área do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE). “Eu estava fazendo o monitoramento de golfinhos-rotadores e, num primeiro momento, achei que era apenas uma mabuia mais robusta. Ela estava por entre as pedras e não conseguia vê-la tão bem. Foi quando ela saiu e veio para luz que eu percebi, pela locomoção do animal, que não era uma mabuia nem outra espécie de Noronha. Corri e peguei a câmera para registrá-la. Não tinha muito o que eu fazer, pois não tinha uma licença SISbio para fazer a captura e manejo do animal. O que eu me arrependo é de não ter feito mais fotos de todos os ângulos possíveis. Como é um bicho territorialista, voltei no dia seguinte para ver se o encontrava de novo, mas não aconteceu”, narra a bióloga.
Há pelo menos 30 espécies identificadas dentro do gênero Tropidurus, todas elas ocorrem na América do Sul e pelas fotos da pesquisadora não é possível afirmar qual delas é a lagartixa avistada. Ainda assim, a invasora não identificada pode gerar um problema muito conhecido por biólogos: o desequilíbrio ecológico. “Dependendo do animal exótico, pode ocorrer um desequilíbrio catastrófico com espécies endêmicas da ilha, aquelas que só ocorrem aqui. A competição por habitat e alimentação com as mabuias são um dos pontos negativos da introdução deste animal, já que elas sofrem bastante com outras espécies como gatos, garças e os próprios tejus. Além disso, como as mabuias são presas fáceis o que poderia facilitar o crescimento do Tropidurus”, analisa Lisandra.
Apesar do alerta ligado, a bióloga comemora não ter havido nenhum outro registro da lagartixa exótica em Noronha. “Felizmente, como era apenas um indivíduo, suponho que o mesmo tenha sido predado e já morreu”, pondera, mas sem deixar de fazer uma ressalva: “se um animal desse chegou na ilha e estava em uma área de proteção ambiental, onde a movimentação tanto de pessoas quanto de animais é mais controlada, isso só mostra a vulnerabilidade da fiscalização de espécies exóticas que entram na ilha, tanto de plantas quanto de animais”.
O estudo publicado em março pelos pesquisadores do projeto, financiado pelo Programa Petrobras Socioambiental, confirma a apreensão sobre a descoberta da lagartixa em Fernando de Noronha, pois “é de extrema preocupação e reforça a necessidade de fiscalização nos pontos de chegada de pessoas e mercadorias à ilha como aeroporto e navios cargueiros que descarregam no Porto”.
Fonte: ((o))eco