S&P dá nota mínima à área fiscal e alerta para dívida e excesso de gastos do governo
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad: situação fiscal restringe qualidade de crédito do Brasil, segundo S&P
Por Célio Yano
No mesmo comunicado em que justifica a elevação do rating do Brasil de BB- para BB, com perspectiva estável, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s (S&P) faz uma série de ressalvas e alertas para problemas que o país ainda precisa resolver, notadamente na área fiscal.
Comemorada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a mudança da nota de crédito, anunciada na terça-feira (19), mantém o Brasil no chamado grau especulativo, a dois níveis do grau de investimento, considerado uma espécie de “selo” de bom pagador e onde o país esteve até 2015 pelos critérios da S&P.
Um dos principais fatores para a melhora do rating basileiro, segundo os analistas da agência, foi a aprovação da reforma tributária, que se soma “a um agora extenso histórico de reformas estruturais e microeconômicas em curso desde 2016”.
São citadas as reformas trabalhista e previdenciária, além do fortalecimento na gestão de empresas públicas (Lei das Estatais), da autonomia formal do Banco Central, da criação de uma taxa de financiamento para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) determinada pelo mercado e de duas regras fiscais (teto de gastos e novo arcabouço).
Com exceção do novo arcabouço fiscal, criado no atual mandato de Lula, todas as demais medidas foram propostas e aprovadas nas gestões de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL).
Apesar dos avanços, segundo a S&P, as perspectivas de crescimento econômico “ainda moderadamente limitadas e uma situação fiscal fraca continuam restringindo a qualidade de crédito do país”.
Esperamos que as instituições brasileiras continuem abordando lentamente as ineficiências econômicas que retardam o crescimento do país, bem como a rígida estrutura orçamentária, que contribui para altos déficits fiscais e uma elevada carga de endividamento”, diz trecho do comunicado da instituição.
O texto cita ainda que a perspectiva de estabilidade da nota no curto prazo reflete uma “expectativa de avanços lentos na resolução dos desequilíbrios fiscais e perspectivas econômicas ainda fracas”, que contrabalanceiam “uma posição externa forte” e a política monetária, “que tem ajudado a reancorar as expectativas de inflação”.
A classificadora de risco afirma que poderá baixar os ratings do Brasil “se uma implementação ineficaz das políticas levar a uma maior deterioração fiscal e a uma carga de endividamento acima das expectativas”. Por outro lado, pode elevá-los se as reformas estruturais e microeconômicas beneficiarem a trajetória de crescimento de longo prazo do País.
Brasil tem nota mínima em flexibilidade fiscal e endividamento
Para avaliar a qualidade creditícia soberana de um país, a S&P baseia-se em cinco fatores:
- avaliação institucional;
- avaliação econômica;
- avaliação externa;
- média de flexibilidade fiscal e desempenho; e de carga de endividamento; e
- avaliação monetária.
Cada critério é avaliado em uma escala que varia, em ordem decrescente, de 6 (mais fraco) a 1 (mais forte). Na ficha brasileira, tanto flexibilidade e desempenho da política fiscal quanto a carga de endividamento tiveram a nota mínima (6), enquanto a avaliação econômica ficou com indicador 5. O perfil externo foi o que obteve o melhor resultado (2). Nenhuma das características teve avaliação máxima.
No âmbito do perfil institucional e econômico, a agência destaca que a reforma tributária ajudará a abordar parcialmente as complexidades do sistema de impostos brasileiro. Por outro lado, diz que “o arcabouço institucional, caracterizado por interesses políticos e econômicos fragmentados, continuará se caracterizando por uma morosidade na resolução dos problemas de rigidez fiscal”.
Além disso, avalia que a trajetória de crescimento do Brasil melhorou nos últimos anos, mas que continua mais lenta do que a dos pares dos mercados emergentes.
Apesar das reformas estruturais e microeconômicas levadas a cabo nos últimos anos, a lacuna, para a S&P, tem sido a incapacidade de avanço para endereçar os gastos “elevados, rígidos e ineficientes” do governo geral.
Ao longo do tempo, isso resultou em um persistente déficit fiscal, que comprime os recursos do setor financeiro e explica parcialmente o fraco crescimento do Brasil. A ampla dimensão do aparato governamental deve-se parcialmente a uma constituição muito detalhada, fruto de interesses políticos e econômicos fragmentados e que exige grandes investimentos de capital político para ser corrigida”.
Posição externa e a credibilidade da política monetária atenuam fraco desempenho fiscal
O melhor desempenho do Brasil segundo os critérios da S&P está na avaliação externa. Para a agência, um dos fatores é o status do real como moeda ativamente negociada – negócios com a divisa já representam 1% do mercado global. Além disso, a dívida em moeda estrangeira e a dívida interna detida por não residentes representam apenas cerca de 10% da dívida do governo geral, o que limita o risco de potenciais choques externos adversos na rolagem da dívida.
A classificadora ressalta, por outro lado, que, em razão do grande estoque de investimento estrangeiro direto (IED), “o País é vulnerável a uma possível mudança significativa nas condições de financiamento internacional”.
Entre os credores domésticos, a elevada participação do setor bancário (mais de 20% dos ativos) deve restringir a disponibilidade de crédito a outros setores da economia, segundo a instituição, que também classifica os precatórios do governo, que superam 20% do Produto Interno Bruto (PIB), “um passivo contingente significativo”.
Em relação ao recém-aprovado novo arcabouço fiscal, a S&P avalia que o governo demonstrou sinais contraditórios quanto a seu compromisso em cumpri-lo. “O governo tem afirmado repetidamente que os cortes nas despesas deveriam ser evitados tanto quanto possível. Isso o torna primordialmente dependente de medidas de receitas tributárias para cumprir as metas fiscais”, destaca.
Os analistas da agência de classificação de risco projetam um déficit primário equivalente a 1,1% do PIB em 2024, diante do objetivo do governo de um resultado fiscal neutro para o ano que vem.
A agência considera ainda que são difíceis de se prever os resultados no curto prazo de medidas arrecadatórias promovidas pelo Ministério da Fazenda.
No caso da retomada do voto de desempate no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), diz o comunicado, “o contribuinte pode continuar explorando alternativas legais”.
Já a taxação de fundos offshore e exclusivos “provavelmente provocarão uma reação econômica e se traduzirão em receitas extraordinárias pontuais”, afirma a agência.
Dado seu impacto econômico, o Congresso e o Judiciário devem agir com cautela em questões como o efeito de benefícios fiscais do ICMS na base tributável federal”, acrescenta.
Fonte: Gazeta do Povo