Comportamento & Equilíbrio

Alienação Parental, a lei emboscada — Parte II

Quem inventou as “falsas memórias” da criança que relata os atos lascivos? Não tem sustentação, nem científica nem empírica. Não existem falsas memórias na infância

Na lei emboscada, quem é tachado com o seu título, “alienadora”, nunca mais perde o título. E cada movimento de contradizer o título, é, imediatamente, travestido como mais uma prova de alienação. É uma lei circular, com vício em sua raiz, que volta ao ponto zero sempre. Também os procedimentos são circulares. Quando um fato novo acontece, ou seja, um indício ou prova de outros abusos sexuais, o juiz ou juíza determina as mesmas peritas ou mesmos peritos, que já laudaram atos de alienação parental, alienando por completo os abusos.
Assim também, seguem em círculos viciosos as inúmeras tentativas de Revogação dessa lei que promove a proteção de agressores ao mesmo tempo que patrocina a adoecedora Privação Materna Judicial. A criança perde a mãe e é entregue, pela justiça, ao seu agressor. Interessante observar que a retórica é que é impossível uma criança se desenvolver bem sem a convivência do genitor, mesmo quando reconhece que ele faz uso da violência física ou da violência sexual. Mas, se é dado o título de “alienadora” para a mãe, a criança é completamente afastada dela, por vezes ainda lactante, e isso não lhe fará mal algum. É o mesmo objeto que foi o “motivo” do processo que é praticado pela justiça. A mãe é vista como criminosa de altíssima periculosidade. Mas, quem violou o corpo da criança não foi ela. Só ousou denunciar um homem por comportamento inadequado, ainda considerado criminoso.

Agentes de justiça bradam que um mau marido pode ser um bom pai. Não cabe na lógica comum que alguém que maltrata, espanca, mata a mãe de uma criança possa ser considerado um bom pai. É a mãe de seu filho, sua filha. Quantas vezes a violência foi praticada na presença das crianças. E, mesmo quando fica restrita ao quarto, a criança ouve os gritos de dor de sua mãe, e convive com a mãe de óculos escuros dentro de casa por dias, ou percebe a cara de dor quando a mãe pega uma sacola para carregar com uma ou duas costelas fraturadas. Isso é ser um bom pai?

(Foto: Freepik)

Vamos fazer um exercício de pensamento lógico. Se a criança vê ou sabe do espancamento da mãe pelo pai, ela tem três caminhos principais a seguir. Qualquer outra variação como caminho, será, igualmente, danosa.
O primeiro: ela empatiza com as dores da mãe e sentirá medo e raiva do agressor, seu pai. Isso vai atrapalhar ou obstruir a aquisição de seu processo de relacionamento afetivo, porque também implica em ter raiva pela impotência da mãe. Para a criança a mãe tem que reagir, principalmente porque se ela não reage para se defender e não permitir a violência, a criança se sente muito mais vulnerável. Sua mãe é uma derrotada.

O segundo: ela se identificará, por medo, como defesa, com o pai, e tenderá a repetir o modelo de violência contra mulheres pela vida toda. Afinal, ele é perigoso, é forte, é vencedor sobre a mãe. E o medo é grande, a ansiedade produzida por esse medo é desconfortável demais, então a “solução” é se juntar ao perigoso para que ele não venha bater nela. Esse Mecanismo de Defesa do Ego segue ativo na grande maioria dos adultos mesmo que não tenham passado por essa nefasta experiência de violência contra a mãe na infância. É a Identificação com o Agressor. Quando o jogo é o Poder sobre o Outro esse Mecanismo Mental entra em ação. Evidentemente, que fica fácil imaginar o que se produz com essa identificação com um violento. É a perpetuação da violência intrafamiliar. Um pai bom não coloca seu filho diante desses três desfiladeiros sem volta.

(Foto: Freepik)

O terceiro caminho que é oferecido à criança é a ruptura com a realidade, um quadro psicótico. Ela passa a viver — sempre que surge a ansiedade e a angústia promovidas pela violência contra a mãe — num mundo paralelo, buscando se alhear daquela realidade dolorosa. Além do quadro psicótico que irá se cristalizando, ela pode desenvolver quadros de inadequação social, como um quadro de TDAH, quando sua ansiedade transborda e a agitação psicomotora se instala, afetando a atenção. É um tipo de Mecanismo de Defesa para “sair” do sofrimento do ambiente violento.

Quem inventou as “falsas memórias” da criança que relata os atos lascivos? Não tem sustentação, nem científica nem empírica. Não existem falsas memórias na infância. Todas as tentativas de pesquisa deram em água. Ao contrário. A criança não possui ainda o filtro social em sua comunicação. Todos conhecemos a saia justa que entramos quando uma criança nossa fala uma verdade nem tão social, que cai na conversa dos adultos. Aquela exclamação puxando a roupa da mãe dentro do elevador do prédio, perguntando: mãe por que você está tão boazinha com ela se você diz que odeia ela, que ela é chata?

Mas, se a criança tivesse uma implantação de um chip em sua cabeça para relatar os atos de abusos sexuais praticados pelo seu genitor, como explicar esse fenômeno? E mais, como explicar que ela desenha os atos, a representação do pai com muitas mãos, aspecto de monstro, grande em relação às outras figuras do desenho, ou encena com bonecos e bonecas ou bichinhos posições que comunicam atos sexuais? A mãe também “implantou”, gênio da implantação, de maneira que na ausência dela e espontaneamente revela a sexualidade produzida em seu corpo. Lembrando que esse tipo de chip implantado no cérebro funcionaria por controle remoto.

De onde saiu a mentira sobre os benefícios da guarda compartilhada compulsória? Sempre que se tem um regramento que não respeita a criança em suas fases de crescimento, em suas variações de desenvolvimento, temos um autoritarismo déspota que causa adoecimento à criança. Não há como defender que uma criança com 15 dias sofra uma guarda compartilhada: a manhã do bebê é do pai, a tarde do bebê é da mãe. Ou seja, pela manhã o bebê toma mamadeira, à tarde ele é amamentado ao seio da mãe. O juiz sabe que a regularidade das mamadas fazem a produção do leite? E num regime desse tipo o que é produzido é um entumecimento das glândulas mamárias, que levam à infecção? A mãe vai ter febre, dor e, por vezes, precisar de intervenção médica. Talvez isso venha a ser a justificação para a retirada do bebê da maternagem a que tem direito e necessidade, e seja entregue ao pai.

São muitas mentiras aceitas e em vigor. A começar pelo termo alienação parental que tem sido altamente lucrativa para trabalhadores que não se importam com a criança. Além da mentira da alienação parental, o desprezo pelas provas apresentadas, a mentira das falsas memórias para desqualificar a voz da criança, a mentira de benefício da guarda compartilhada, a mentira do bom pai que espanca e mata a mãe. Acredito que a justiça foi enganada por um lobby que conseguiu proteger predadores. E parece que não quer ver que está sendo usada como arma contra a criança. A LAP empunha essa arma.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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