Dora Richter, a primeira pessoa a fazer cirurgias completas de troca de gênero
Entre 1920 e 1930, enquanto a influência do nazismo crescia na Alemanha, Dora tinha apenas um desejo: transformar seu corpo
Entre 1920 e 1930, o sexólogo alemão Magnus Hirschfeld fazia diversas pesquisas no campo da sexualidade. Fundador do Comitê Científico-Humanitário, o especialista era defensor dos diretos dos homossexuais e dos transgêneros.
Não à toa, Magnus fez parte dos cientistas que cuidaram e estudaram pessoas trans no Instituto de Pesquisa Sexual de Berlim. Uma delas, que trabalhava no local como empregada doméstica, foi Dora Richter, mais conhecida como Dörchen.
Nascida em 1891, sob o nome de Richard, Dora nunca realmente sentiu-se um homem. Aos seis anos, inclusive, tentou arrancar o próprio pênis com um torniquete. Quando jovem, usava roupas tidas como femininas e se apresentava como mulher.
Ela apenas usava seu nome masculino para conseguir trabalhos como garçom em hotéis de Berlim. Quando estava na casa dos 30 anos, recebeu o aval da polícia para que se vestisse como quisesse e passou a trabalhar no Instituto.
Uma vez no local, Dora conheceu Magnus e foi convidada para fazer parte de uma pesquisa inovadora. Em 1922, como parte de um estudo de caso, ela foi submetida a uma orquiectomia — cirurgia de retirada dos testículos.
Sempre sob os cuidados dos cientistas, Dora teve seu pênis removido em uma penectomia realizada por Dr. Ludwig Levy-Lenz, um médico do instituto. Meses mais tarde, a trans recebeu uma vagina artificial, que foi enxertada pelo cirurgião Prof. Dr. Erwing Gohrbandt, de Berlim.
Durante os estudos no Instituto, outras pessoas passaram pelos mesmos processos de Dora — como foi o caso de Lili Elbe. No entanto, Dörchen foi, de fato, a primeira pessoa a ser submetida a cirurgias de transição de gênero na história.
O paradeiro de Dora, entretanto, nunca foi descoberto. Acredita-se que ela tenha sido vítima de estudantes nazistas que atacaram o instituto, em 1933. Na época, autoridades do estado queimaram todos os registros, inclusive os que falavam sobre a mulher trans.
Institut für Sexualwissenschaft
Instalado não muito longe da casa de Magnus, o Instituto de Pesquisa Sexual de Berlim foi inaugurado em 6 de julho de 1919. A Alemanha vivia com os ares liberais da recém-fundada República de Weimar e o instituto abrigava centenas de arquivos sobre sexualidade.
Centro de pesquisas e estudos sobre o tema, o local ainda prestava serviços educacionais e consultas médicas para homossexuais e transexuais. A equipe multidisciplinar do Instituto incluía ginecologistas, dermatologistas e endocrinologistas.
A instituição ainda servia de moradia para diversas personalidades LGBTs da época, que reivindicavam os quartos gratuitos da casa alugada pelo sexólogo. O próprio Magnus, inclusive, morava no segundo andar do Instituto, na companhia de seu amante, Karl Giese, e sua irmã Recha Tobias.
Magnus e Karl eram amplamente conhecidos no cenário gay de Berlim na época. Interessado por tudo que se relacionava ao mundo da sexualidade, o cientista adorava se vestir de forma cruzada e era popularmente conhecido como Tante Magnesia.
Em julho de 1932, Franz von Papen, chanceler alemão, realizou um golpe que depôs o governo Braun na Prússia. Após a mudança, o Instituto de Pesquisa Sexual de Berlim continuou aberto, mas sob o domínio de Papen. Nesse momento, a polícia passou a assediar qualquer um que estivesse associado à instituição.
Quando o local foi invadido, em 1933, Magnus, fugiu do país enquanto via a influência nazista crescer na Alemanha. Desse momento em diante, diversas personalidades ficaram sem teto, incluindo Lili Elbe e Ernst Bloch, um filósofo marxista. Além deles, Willi Münzenberg, membro do Parlamento alemão e assessor de imprensa do Partido Comunista da Alemanha, que também morava no local.
Magnus morreu em 14 de maio de 1935, no dia que faria 67 anos. O sexólogo foi vítima de um ataque cardíaco em seu apartamento, em Nice, na França. Seu cadáver foi cremado e as cinzas foram enterradas no cemitério de Caucade, na mesma cidade francesa. Na lápide do cientista foram gravadas as palavras de seu lema em vida: “Per Scientiam ad Justitiam” (Da ciência à justiça, em tradução livre).
Fonte: Aventurasnahistoria.uol.com.br