Respeitar o brincar da Criança — Final
O brincar vai ocupando o espaço e o tempo à medida que a criança cresce. Para ela, é cada vez mais possível seguir uma sequência de comportamentos, com intervalos de tempo e lógica nesta sequência, mostrando sua aquisição da capacidade de seriação. Neste item, os álbuns de figurinhas exercem um amplo papel no desenvolvimento desta capacidade: é a numeração certa, a espera pelo incontrolável que vem no envelope de figurinhas, o ato de colar com cada vez mais exatidão no quadrado referido, a possibilidade de troca das repetidas. Tudo isto, que parece irrelevante, está patrocinando importante desenvolvimento da capacidade de sequenciar o que depois estará presente no que virá a ser até um artigo científico que relate uma pesquisa.
Na segunda infância o brincar se aprimorará em movimentos motores e competências de movimentos de pinça fina, a correta sustentação de um lápis, por exemplo, pela oposição do polegar ao indicador, com pequeno auxílio do dedo médio, permitindo a escrita mais rápida e precisa, o que dará lugar depois à sustentação do pincel para a Arte ou do bisturi para a Medicina. Nas brincadeiras de movimentos de grande porte, as instruções são mais simples, reduzidas, mas nos jogos de tabuleiro, é a concentração e a contenção que são mais treinados. Assim, as regras são mais complexas, chegando ao jogo de xadrez, o mais complexo deles. Cada peça tem uma regra própria, são seis tipos de regras, a movimentação espelhada, a antecipação da intenção do outro jogador, toda esta coordenação em silêncio durante toda a partida sem duração prevista, o que é muito apreciado. Por outro lado, os jogos virtuais trazem simulacros de situações humanas, sendo reducionistas nas estratégias, frequentemente, matar os inimigos, bons contra maus, e a competência também é reduzida à rapidez do apertar a tecla para matar/destruir o outro. Este tipo de resposta não contribui, substancialmente, para o desenvolvimento cognitivo nem afetivo. O automatismo da repetição monótona de um movimento digital de reduzida amplitude, embebido em pensamento mágico. Várias vidas em mundo paralelo, por exemplo, sem, no entanto, espaço para a imaginação e a criação.
O brincar com jogos proporciona a construção de códigos de comportamento, que implicam em obediência às leis, em administração de emoções e afetos. A competitividade, elemento central dos jogos, faz experimentar as emoções do ganhar e do perder. Aprender a ganhar e a perder é difícil, e vai acompanhar o indivíduo por toda a vida, em aprendizagens com situações das mais variadas.
Independente de competição, saber ganhar e saber perder, que acontece diariamente, necessita de experiência cumulativa. A maturidade emocional possibilita que haja uma diminuição do desgaste em cada situação de ganhar e de perder. O sofrimento pela frustração ou pela arrogância pode dificultar ou obstruir o fluxo natural das trocas interpessoais.
Difícil abrir espaço para o brincar como uma coisa séria. Aparentemente, o valor fica por conta de atividades escolares e extracurriculares. Claro que a escolaridade exerce papel fundamental na aquisição dos diversos raciocínios, no desenvolvimento cognitivo e na socialização. A ideia de que é preciso munir a criança da aprendizagem de outra língua, dos esportes competitivos, das lutas. Não nos damos conta, mas a impressão passada para a criança é a de que é preciso ganhar, ganhar e ganhar. Todos podem ser adversários. No entanto, vale ressaltar que esta atividade é muito importante para o desenvolvimento da criança, e, na vida adulta, cumpre também uma função de restituição de equilíbrio de emoções e da boa sensação de alegria. O humor é reconstituinte. O fazer humor fino, não me refiro ao deboche, com as situações da vida é a demonstração de maturidade e capacidade criativa.
A grande complexidade de nossa mente nos brinda com uma riqueza de elementos formadores de sua formação numa composição dinâmica ininterrupta. Mesmo que os processos mentais, em toda a amplitude implicada, não sejam evidentes, eles acontecem, inexoravelmente.
Expansão, contenção, movimento motor, movimento afetivo, este processo, através do brincar, é fundamental para o exercício da vida adulta, o mais saudável possível. É muito comum se ter a impressão equivocada de que as brincadeiras podem ser sempre “sacrificadas” para que o tempo seja dedicado à atividade intelectual. Ou seja, se a criança está brincando, isto é visto como dispensável. Não lhe é dada a importância que é devida. É brincando que a criança ensaia e aprende a vida.