E o Adolescente? Momento da mistura da liberdade e dependência — Parte III

Faz-se necessário considerar que esta condição mista de autonomia e não responsabilidade civil, transforma certos adolescentes em verdadeiras bombas-relógio. Como não lemos muito, achamos — eu não — que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é paternalista e acoberta os adolescentes delinquentes. Mas será que com os adultos delinquentes e criminosos temos executado a lei? Quem é responsabilizado e enquadrado na lei? Preciso lembrar que menos de 5% da totalidade dos crimes é cometido por adolescentes. 5%. O ECA, que já completou 30 anos, precisa ser implementado efetivamente. Escrito, ele é bem completo, na prática, parece que continuamos com o ultrapassado “código de menores”. Não entendemos até hoje a mudança de paradigmas que o Estatuto trouxe. Do termo “menor”, carregado de teor legal, para criança e adolescente
Pela característica de fase de transição entre a infância e a adultice, a adolescência tem um grande potencial. Tudo pode ficar notável. E, claro, as condutas de risco chegam às raias do insuportável para a família. As psicopatologias, quando ocorrem, são exacerbadas. E, pela intensidade das mudanças, a cachoeira hormonal, este é um indício de gravidade da doença psíquica, o primeiro surto ser na adolescência. Esta fase é arrebatada por grandes paixões e grandes abandonos. Causas que podem custar a vida e indiferenças inabaláveis. Os contrastes de ideias e emoções precisam conviver, com a mesma intensidade.
Mas, nem tudo pode ser visto pelas lentes poéticas. A adolescência tem passagens estreitas, sufocantes, e grandes amplitudes, angustiantes. Há uma peculiaridade que pode adquirir grandes proporções: a mentira. O adolescente desenvolve a capacidade de mentir, até então muito atrofiada pela característica sinceridade da infância. A criança fala verdade até quando poderia, pelo menos, ficar calada. São muitas as situações de constrangimento social nas quais uma criança pode colocar um adulto. Facilmente ela pode perguntar para a mãe, dentro do elevador do prédio, por que ela está sorrindo e conversando com aquela vizinha que ela sempre diz em casa que é muito chata. Ela não entende ainda que, em nome de regras sociais se cumprimenta, amistosamente, as pessoas chatas quando são vizinhas. Seu entendimento é mais simples, binário na maioria das vezes. Com a chegada da adolescência ela descobre que a verdade nem sempre é conveniente. E, mais que isso. Que ela vai precisar omitir e mentir para burlar regras de disciplina, horários e locais aonde vai.
O adolescente precisa mentir para expandir sua liberdade. O risco de ser flagrado mentindo é cada vez melhor calculado. Assim como a “explicação” quando é questionado e descoberto vai ganhando rapidez e substância nos argumentos. Para duelar com a mãe ou o pai, mostrando coerência nas respostas, evitando as contradições, usando a lógica, fazendo frente às dúvidas e questionamentos que brotam da cabeça do adulto que reconhece a possibilidade de ser mentira, porque já foi adolescente, e conseguir se safar, é uma operação que exige cada vez mais habilidade na atenção e rapidez. Tarefa difícil. Não estou fazendo aqui a apologia da mentira. Longe disso. Mas, é preciso compreender que este é um treinamento para a rapidez e a eficiência da capacidade de argumentação, que vai necessitar na vida adulta, para defender teses e verdades. A mentira da adolescência cumpre esta função do desenvolvimento cognitivo.
Poderíamos até pensar que seria facilitador pular estes comportamentos nesta idade, e passar uma adolescência em brancas nuvens. Mas o que nos mostra a experiência é que ela virá. Aos 30, 40 anos, se tem muito mais a perder. A adolescência tardia, além de desencontrada com os pares, pode trazer muitos prejuízos, magoar pessoas queridas, sendo, muitas vezes, motivo de chacota. Há também a adolescência que não tem seu devido processo de finalização com a passagem para a vida adulta. Toda adolescência deve ter começo, meio e fim, mesmo que não se consiga saber nada sobre estas datas, ou que haja retornos em meio à sua vigência. Não é um processo retilíneo, como nada na vida. Mas, mesmo sendo uma turbulência, ela é saudável para a mente.