Comportamento & Equilíbrio

Falta de empatia começa na infância e tem relação com ausência de limites

Durante o ano de 2020, a produtora de conteúdo Allyne Moreno, 30, presenciou cenas que ela custou a acreditar que eram verdade. “Meu vizinho ligou o som em um volume muito alto. Todos do prédio pediram para que diminuísse um pouco, mas ele ignorou. Chamaram a polícia e, em vez de baixar, desceu na portaria e quebrou as câmeras de segurança”. Não foi a única vez que o tal vizinho desrespeitou as pessoas com as quais divide o mesmo ambiente. “Ele foi diagnosticado com covid-19, mas se recusou a ficar no isolamento. Circulava pelo prédio sem máscara. Simplesmente não se importava com nada nem ninguém”.
Especialista em psicologia médica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a psicanalista Maria Teresa Lopes explica que a empatia é um sentimento que só pode se manifestar quando alguém se coloca no lugar do outro. “Está diretamente ligada à compaixão e ao processo de identificação. Quando ocorre uma falha neste processo, ainda nos primórdios da vida do sujeito, com certeza comprometerá o desenvolvimento emocional e psíquico”.
A psicóloga Alessandra Augusto, que é pós-graduanda em terapia cognitivo-comportamental e em neuropsicopedagogia, alerta que o comportamento de uma pessoa “sem empatia” nenhuma com o próximo pode estar ligado a um transtorno de conduta ainda criança e depois evoluir para um transtorno de personalidade. “Estamos falando de um adulto sem limites, mas precisamos pensar como foi a infância dele. Uma criança que viola os direitos alheios repetidamente deve ser analisada. Ela vai insistir nesse comportamento, chegando a ser agressiva, fazendo até pequenos furtos e sempre terá problemas com os amigos. É comum também apresentar déficit de atenção”, diz.
A especialista acrescenta que esse tipo de transtorno comportamental é apresentado na maior parte em pessoas do sexo masculino, mas as mulheres também podem ter. “A incidência maior é nos meninos e se manifesta de forma mais violenta, sendo comum atos de vandalismo e afronta às autoridades. Eles ficam irritados quando recebem ordens”.

Psicopatia x egoísmo

É comum que essas pessoas sem empatia sejam apontadas como psicopatas, mas as especialistas destacam algumas diferenças. A primeira delas é que a psicopatia se refere a uma desordem de personalidade. “Geralmente os psicopatas se apresentam como pessoas frias, manipuladoras, calculistas. Enquanto a pessoa circunscrita pelas patologias narcísicas é voltada para ela mesma, mas não sem emoção e muito menos calculista. Ela simplesmente ignora o outro. A música do Caetano Veloso descreve bem: Narciso acha feio o que não é espelho”, diz Lopes.
Segundo ela, aqueles que muitas vezes chamamos de egoístas nem sempre são narcisistas. Muitas vezes são pessoas neuróticas que tiveram questões com os limites. “Antes a vida das pessoas era extremamente corrida, sem tempo para nada. E esse ‘sem tempo’ inclui pais que trabalham durante o dia, muitas vezes estendendo esse ‘sem tempo’ para seus filhos, deixando-os serem cuidados e educados por outros. Em função da culpa que isso gera, os adultos acabam não dando limites necessários para que as crianças possam se sentir amadas e cuidadas por eles”, analisa.
Augusto explica que todos já nascem com “temperamentos”, mas a personalidade é uma construção e conta com contribuições hereditárias e em suas experiências sociais. “Se eu tenho alguém que é extremamente favorecido, não tem percepção do mérito, que tem que seguir algumas regras, a personalidade já estará sendo construída de forma diferente de que tem um vigor na sua criação, de quem é levado a seguir horários e a ter empatia com os outros”.
Partindo desse exemplo, Lopes também atribui à educação da família o ponto fundamental para a construção de comportamento. “Podemos ver, algumas vezes, adolescentes, jovens sem nenhum tipo de limite. Tudo posso, basta querer. Os pais, em função de sua culpa, legitimam a monstruosidade que criam e suas ações. Porque não legitimar seria assumir a sua culpa e negligência perante aos filhos. Eu diria que tivemos algumas gerações com esse tipo de criação obscura, na qual os sentimentos não contam, mas sim o dinheiro, a posse. Não dou afeto, mas dou objetos, como se um pudesse substituir o outro”.
Ela destaca que quem não tem empatia faz parte de um grupo que tem bastante dificuldade de aceitar regras e se martiriza quando precisa se ajustar a elas. “Estão sempre na defensiva. São pessoas que sofrem, mas que dificilmente assumem este sofrimento. Entendem sofrimento como fracasso, e não como algo que faz parte da vida”, diz.
Augusto ainda diz que essas pessoas agem impulsivamente, como sair do emprego sem planejar, trocar de relacionamentos compulsivamente e projetar a culpa em terceiros. “Eles também acham que quem está sofrendo é merecedor daquela situação. Facilmente se envolvem em brigas, porque não têm paciência”, informa.

Franqueza e empatia são cruciais ao amparar pessoas de luto pelo suicídio de alguém querido (Foto: Getty Images)

Como melhorar a empatia?

A empatia é uma competência que só se desenvolve na prática. Saiba como começar:

Não julgue: esse talvez seja o primeiro mandamento para ter empatia. Quando escolhe não fazer julgamentos, é capaz de ouvir, acreditar e se aprofundar sem procurar pelas falhas. Em vez de julgar, indique caminhos possíveis para dias melhores.
Abra-se para as histórias: prestar atenção nos detalhes, questionar menos, superar os próprios preconceitos, tudo isso envolve compreensão e aceitação. Ser empático não é concordar com tudo, mas compreender do seu ponto de vista.
Pratique a escuta atenta: caso não possa ouvir a pessoa naquele momento, seja gentil em dizer que não pode e o procure assim que possível. Essa é uma decisão inteligente, pois ter empatia significa se envolver com o que se está escutando. Preste atenção no tom de voz e à linguagem corporal.
Esteja disposto: não só a ouvir, mas a ajudar, colocar a mão na massa. Procurar viver situações desconhecidas para entender o que as pessoas que estão inseridas naquele contexto enfrentam faz parte dessa disposição. Reconheça as diferenças: somos iguais em nossa humanidade, mas, ao mesmo tempo, completamente diferentes uns dos outros. Esse reconhecimento nos coloca no lugar de vulnerabilidade necessário para nos deixar enxergar cada pessoa de uma maneira.
Trate bem as pessoas: cuide de sua postura nos momentos de estresse e, durante os conflitos, seja gentil. Lembre-se de que o momento passa, os problemas serão resolvidos e sua postura diante deles, caso seja ruim, nunca será esquecida.
Demonstre confiança: fofocas, críticas e exposição desnecessária estão no lado oposto da empatia. Isso afasta as pessoas, provoca insegurança e ansiedade, por isso, mostrar-se alguém sincero e de confiança torna as relações empáticas.

Fonte: UOL

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