Cientistas desenvolvem corante natural à base de microalga do Cerrado
Algas podem fornecer cor, melhorar textura e resistência à oxidação na indústria cosmética
Com as exigências crescentes dos consumidores e as mudanças climáticas em todo o mundo, a demanda do setor de cosméticos para ingredientes naturais e sustentáveis vem aumentando a cada dia. É dentro desse contexto que uma cepa de microalga encontrada em cursos d’água localizados em área de preservação do bioma Cerrado no Distrito Federal mostrou-se promissora para a adoção pela indústria cosmética. Rica em carotenoides, substâncias com ação antioxidante comprovada, a cepa de coloração verde agradou aos pesquisadores do Grupo Boticário, parceiro na pesquisa realizada pela Embrapa Agroenergia (DF).
A seleção da cepa de microalga pela Embrapa foi feita após a análise minuciosa de microrganismos promissores para a produção de corantes naturais com aplicação em cosméticos, entre eles bactérias, leveduras, fungos filamentosos e microalgas.
Os principais critérios adotados para a pré-seleção das cepas foram a coloração observada nos cultivos e o potencial de produtividade de biomassa. Na segunda etapa, após análises preliminares físico-químicas, os pesquisadores elegeram uma cepa específica de microalga como a mais promissora no momento para o mercado de cosméticos.
Microalgas: potencial brasileiro
As algas são organismos que realizam fotossíntese encontrados em habitats marinhos e de água doce. Com seu amplo manancial de águas, o Brasil apresenta grande potencial para isolamento de espécies de microalgas naturalmente adaptadas para crescimento em condições climáticas locais.
Elas também são conhecidas por suas aplicações em alimentos e biocombustível. E como esses organismos são importante fonte de vitaminas, minerais, antioxidantes e corantes naturais, a indústria de cosméticos começou a se atentar para a incorporação da biomassa de algas para fornecer cor, textura melhorada e resistência à oxidação, afirma o documento Algae Cosmetics.
“Há uma tendência forte na indústria mundial de cosméticos para a adoção de micro e macroalgas como fontes de corantes naturais”, explica a pesquisadora da Embrapa Patrícia Abrão Molinari, coordenadora do estudo e da equipe multidisciplinar envolvida na pesquisa, formada por biólogos, engenheiros, químicos e farmacêuticos.
“A biodiversidade pode vir a redesenhar a indústria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos. O conceito de ingredientes de beleza de origem natural está se expandindo e as marcas buscam promover a sustentabilidade por meio da incorporação de abordagens locais e de desenvolvimentos em biotecnologia”, diz o documento.
O mercado brasileiro de cosméticos é atualmente o quarto maior do mundo, movimentando cerca de US$ 32 bilhões em consumo, segundo a agência Euromonitor International, produtora de relatórios de inteligência do mercado.
Sustentabilidade é fundamental
O setor brasileiro de Higiene Pessoal, Cosmética e Perfumaria (HPPC) aponta que a questão da sustentabilidade é importante para o consumidor moderno, e produtos de origem natural são uma forte demanda.
“A nova tendência do mercado atual, assim como a procura dos consumidores, é representada por produtos cosméticos verdes, que utilizam ingredientes derivados de insumos naturais”, afirma a farmacêutica Elisabeth Borgo no estudo “Consumo consciente e sustentabilidade no setor de cosméticos: análise reflexiva”.
Já o Caderno de Tendências 2019/2020 produzido pela Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) e pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), afirma que, entre as tendências identificadas para os próximos anos, se destaca a busca, em todo o mundo, por soluções mais sustentáveis do ponto de vista ambiental.
Microalga da biodiversidade brasileira
Outro diferencial destacado pela pesquisadora Patrícia Abrão é o fato de a microalga escolhida para a pesquisa ter sido coletada na rica biodiversidade brasileira, representada na Coleção de Microrganismos e Microalgas Aplicados a Agroenergia e Biorrefinarias (CMMAABio) da Embrapa Agroenergia.
A coleção é formada por um grande número de bactérias, fungos filamentosos, leveduras e microalgas isoladas em diferentes biomas brasileiros ou transferidas de instituições parceiras do Brasil.
“Essa coleção vem sendo utilizada para a obtenção de bioprodutos diversos com aplicação na agricultura e na bioindústria, em diferentes projetos de pesquisa”, explica Léia Fávaro, pesquisadora responsável pela coleção e participante do projeto.
A pesquisa já dura dois anos e acontece no âmbito do projeto “Produção de corantes por via biotecnológica — Belas Artes”, realizado em parceria com o Grupo Boticário e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
A pesquisadora da Embrapa Letícia Jungmann, especialista em microalgas, confirma que a espécie escolhida, além de ser rica em carotenoides, é uma boa produtora de biomassa o que, para a indústria, é uma característica importante para se obter escala de produção.
“Vamos otimizar a produção do extrato na cor desejada, rico em carotenoides, e avaliar parâmetros como densidade ótima de cultivo, número de células e parâmetros ideais para o aumento da produtividade da biomassa”, explica Jungmann.
Segundo a cientista, a microalga que está sendo estudada já é largamente utilizada para o consumo humano no Brasil e em diversos países do mundo. Outra vantagem apontada por ela é que já existe autorização no Brasil para a sua comercialização, o que facilita a adoção do ativo pelo mercado.
Consumidor mais consciente e exigente
O uso de corantes naturais pela indústria de cosméticos é um dos desejos do consumidor brasileiro. Quem afirma é o diretor-presidente da Embrapii, Jorge Guimarães.
“O consumidor está cada vez mais atento à origem e aos métodos de produção, e a produção de novos conhecimentos nessa área facilita esse encontro”, declara.
Pesquisas realizadas ao redor do mundo também já deram conta de que existe uma nova diretriz para o comportamento do ser humano. Cada vez mais as pessoas estão começando a prestar atenção (e cobrar atitude da indústria) em questões como ambiente, sustentabilidade, bem-estar animal, métodos de produção e práticas trabalhistas. E, mais interessante ainda, têm demonstrado desejo de impactar positivamente comunidades e pessoas por meio de suas decisões de consumo. A Euromonitor International deu a essa tendência o nome de Ethical Living (Modo de Vida Ético).
Segundo relatório global de sustentabilidade corporativa publicado pela Nielsen, 66% dos consumidores estão dispostos a gastar mais em um produto de uma marca sustentável. E esse índice é ainda maior na geração Millennial (nascidos entre 1980 e 1994): 73%.
A pesquisadora da área de P&D de maquiagem do grupo Boticário, Larissa Zonta, conta que a empresa tem se voltado para a inovação na busca de matérias-primas de qualidade e ambientalmente sustentáveis.
“Temos uma rede de inovação dentro do grupo que lança constantemente desafios e faz a prospecção de possíveis parceiros. A escolha pela Embrapa Agroenergia para ser parceira na pesquisa aconteceu após uma prospecção para encontrar um parceiro que desenvolvesse um pigmento de fonte renovável”, lembra a pesquisadora.
“Chamou-nos a atenção o tamanho da coleção de microrganismos e microalgas da Embrapa. Observamos também a capacidade biotecnológica e o alto nível dos pesquisadores, a maioria com pós-doutorado, e então optamos por fechar a parceria”, conta.
Zonta explica que o novo pigmento poderá ser utilizado em diversas categorias de maquiagem e na linha de cuidados pessoais, que incluem produtos para o cabelo e corpo. “A ideia é não ter limitação”.
De acordo com ela, em consonância com o que mostram as pesquisas, o grupo empresarial também acredita no aumento da procura por itens sustentáveis.
Fonte: CicloVivo