Meio ambiente

Cinco mil tartarugas marinhas resgatadas de ilha de águas congelantes

Paralisadas pela água extremamente gelada ao redor da ilha South Padre, nos EUA, centenas de tartarugas marinhas surgiram nas praias, onde voluntários se reuniram para salvá-las — mesmo sem abastecimento de energia ou aquecimento

Enquanto as temperaturas baixíssimas cortavam a energia e congelavam os encanamentos de água em casas na ilha texana South Padre, no Golfo do México, seus moradores embarcavam em uma missão conjunta de resgate: salvar tartarugas marinhas que estavam congelando no mar.
Os moradores salvaram pelo menos 4,9 mil animais. Esse é o maior fenômeno de tartarugas atordoadas pelo frio documentado nos Estados Unidos desde que o Sea Turtle Stranding and Salvage Network, projeto integrante da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos, passou a manter registros em 1980, segundo Donna Shaver, coordenadora da agência. Em todo o estado, mais de sete mil tartarugas aturdidas pelo frio foram registradas, conta ela.
Uma rara frente fria vinda do Ártico atingiu o Texas, causando uma queda de até 20% nas temperaturas. Animais de sangue frio, como as tartarugas marinhas, dependem do calor ambiente para regular sua temperatura corporal, e quando a água atinge uma temperatura inferior a 10 graus Celsius — que é rara na ilha de South Padre — o coração das tartarugas marinhas desacelera, deixando-as paralisadas, porém ainda conscientes.

“As tartarugas sabem que deveriam bater suas nadadeiras e erguer a cabeça para respirar. Todos esses instintos estão presentes, mas seu corpo não responde”, explica Wendy Knight, diretora-executiva da Sea Turtle, Inc., organização sem fins lucrativos de educação, reabilitação e conservação na ilha, que está conduzindo o resgate das tartarugas marinhas.

Agora, tartarugas marinhas resgatadas de todas as idades e tamanhos estão por toda parte. “Literalmente, por toda parte”, reitera Knight. “Temos tartarugas pequenas, médias e algumas enormes”.
Cerca de 500 tartarugas estão paralisadas, ainda imóveis, em lonas no centro de resgate. Elas ocupam cada centímetro do espaço, incluindo a loja de presentes. Outras 4,4 mil — a maioria tartarugas-verdes, tartarugas-de-kemp e tartarugas-cabeçudas — estão no centro de convenções da ilha, disponibilizado pelo departamento de turismo para abrigá-las. “Temos pelo menos oito mil metros quadrados do prédio repleto de tartarugas”, conta Knight.
Sem o resgate, a população de tartarugas marinhas da ilha teria sido exterminada pelo frio, adverte Knight, eliminando quatro décadas de trabalho de conservação para proteger as tartarugas ameaçadas de extinção da região, que também enfrentam ameaças de atropelamento por barcos e emaranhamento em equipamentos de pesca.
O desafio de cuidar de tantos animais foi agravado inicialmente pelo fato de que o centro de resgate e o centro de convenções, assim como grande parte do Texas, ficaram dias sem abastecimento de energia. Felizmente, complementa Knight, é fundamental aquecer aos poucos as tartarugas atordoadas pelo frio. Mesmo que os prédios não tivessem aquecimento, as tartarugas estariam significativamente mais aquecidas na lona do que na água.

Uma grande missão de resgate

O resgate começou no oceano. Durante o fim de semana, velejadores em navios comerciais e botes patrulharam as águas geladas, resgatando centenas de tartarugas paralisadas pelo frio que flutuavam pela superfície.
Embora seja complicado para os conservacionistas decidirem quando intervir para ajudar os animais silvestres, esse não foi o caso. Knight explica: “as tartarugas da ilha não desembocam na praia por diversão. Se alguma delas estiver na praia, é um sinal evidente de que estão em perigo”.
Gina McLellan, voluntária de longa data da Sea Turtle, Inc., colaborou transportando dezenas de tartarugas em sua caminhonete, da praia até o centro de convenções. Dezenas de outros moradores fizeram o mesmo. Foram necessárias pelo menos 10 pessoas para içar uma tartaruga com mais de 180 quilos e pelo menos 150 anos de idade em uma caminhonete. Numa tarde de terça-feira, conta McLellan, havia uma fila de aproximadamente 365 metros do lado de fora do centro de convenções com carros repletos de tartarugas.
“A fila só terminava às seis da tarde. Quer [os carros] tivessem uma tartaruga ou 200, todos esperavam até descermos todas ela”, comenta McLellan. Uma garotinha de cinco anos e sua família resgataram tartarugas e voltaram no dia seguinte trazendo lonas e outros suprimentos.
Knight conta que está admirada com a manifestação de apoio dos moradores de South Padre.

“Há pessoas que estão sem energia ou água em casa há três ou quatro dias e mesmo assim trabalham de 15 a 18 horas por dia para salvar as tartarugas. Os postos de gasolina estão sem combustível, os mercados não têm água para vender e as pessoas seguem aparecendo para ajudar. Isso diz muito sobre o caráter de uma comunidade”.

Desafio após desafio

Antes da iniciativa de resgate em massa, os tanques da Sea Turtle, Inc. mantinham 38 tartarugas marinhas resgatadas para receberem cuidados e cinco tartarugas abrigadas, incluindo Allison, uma tartaruga-verde, e Fred, uma tartaruga-cabeçuda, cada uma com apenas uma nadadeira. Quando a rede elétrica foi cortada, às 2h da manhã, a temperatura da água nos tanques caiu. A equipe precisou removê-las da água e colocá-las em cestos e sobre lonas — uma experiência estressante para os animais, ressalta Knight.
Os engenheiros do centro SpaceX, em Boca Chita, entraram em ação. Eles chegaram ao centro de resgate depois da meia-noite “com o maior gerador que já vi na minha vida”, conta Knight. “E à 1h30, estava sentada no estacionamento e os vi acender as luzes”.
A equipe está otimista de que seus pacientes sobreviverão, mas ainda está trabalhando para regular a água dos tanques de volta à temperatura adequada. Dez aquecedores utilizados para regular a temperatura da água foram queimados devido à queda de energia, e a organização agora está arrecadando fundos para substituí-los.
Enquanto a equipe e os voluntários continuam monitorando as milhares de tartarugas que chegam, ainda se preocupam com o frio prolongado. “O maior erro que podemos cometer é devolvê-las ao mar antes que a água tenha aquecido o suficiente”, afirma Knight. Cientistas estão monitorando a temperatura da água ao redor da ilha, esperando que ela atinja entre 12 e 18 graus Celsius.
Nesse meio tempo, algumas das menores tartarugas atordoadas pelo frio, que tendem a congelar mais rápido, mas também se recuperam mais depressa, estão começando a acordar. “Esse é o estágio em que o coração das tartarugas começa a dilatar”, explica Knight, ao ver os animais tão pequenos reviverem.
“É um momento muito agradável, mas pode não seguir assim por muito tempo”, complementa ela. Ao passo que as funções corporais cessam enquanto as tartarugas estão em coma — comer, mover-se, defecar — elas retornam assim que os animais se recuperam.
Resumindo, ela conclui: “Precisamos que o clima esquente, ou teremos 4,7 mil tartarugas acordadas”.

Fonte: National Geographic Brasil

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish