Ciência

Ciência encontra um novo mistério ao explorar a fundo os nossos átomos

Tudo ao nosso redor — sua cadeira, seu computador, você — é feito de arranjos de um enorme número de átomos. Durante os primeiros 30 anos do século 20, conseguimos demonstrar a hipótese atômica, e desde então descobrimos mais uma camada de complexidade, de novas partículas elementares que formam os átomos.
Os cento e tantos átomos são, na verdade, arranjos de três partículas mais elementares — prótons e nêutrons aglutinados em um núcleo atômico, com elétrons orbitando esse núcleo. Seria uma conclusão agradável, a complexidade da natureza vêm de três ingredientes misturados de formas diversas. O mais chocante é que a história não para aí.
Prótons e nêutrons são uma sopa complicada de outras partículas elementares, quarks e gluons. Ao longo do século 20, descobrimos um enorme zoológico de partículas elementares, a maioria delas altamente instáveis e dificílimas de detectar.
Estranho que a natureza usa centenas de átomos em elementos químicos e outros amontoados de partículas menores. Parece um quebra-cabeça sem fim.
Nosso entendimento atual é que o universo tem dois tipos de partículas, as de matéria e as de força.
As de matéria se chamam quarks e léptons. Os quarks estão sempre em amontoados, formando estruturas mais complicadas, como os prótons e nêutrons do núcleo atômico. Já os léptons são o elétron e uma partícula bizarra, praticamente invisível, chamada de neutrino.
Neutrinos são emitidos em decaimentos radioativos, são muito mais leves que os quarks e o elétron, e quase indetectáveis. O Sol te bombardeia com bilhões e bilhões de neutrinos todo segundo. Até mesmo o planeta Terra é praticamente transparente a neutrinos, vide que  essa imagem dos neutrinos vindos do Sol [veja abaixo] é produzida de um “telescópio” (um tanque de água gigante, o detector SuperKamiokande) dentro de uma caverna a um quilômetro da superfície terrestre, captando neutrinos por mais de um ano.

Neutrinos no Sol (Foto: R. Svoboda/K. Gordan (LSU))

OK, essas são as partículas de matéria. As de força são as partículas da gravidade, do eletromagnetismo (mais conhecida como luz, ou fótons), das forças nucleares fraca e forte, e por último, a partícula de Higgs.
Já seria uma história complicada se tivéssemos os quarks e léptons do nosso dia a dia, mais as partículas de força. Mas a natureza tem uma nova surpresa na manga.
Voltemos um pouco no tempo. Em 1936, uma partícula que não fazia parte de nenhum átomo foi detectada. Essa partícula, chamada de “múon”, é instável e rapidamente decai e produz um elétron. Nas palavras do físico americano Isidor Isaac Rabi, “quem pediu isso”? Mal sabia ele que era só o começo.
O múon foi o primeiro membro a ser descoberto, de uma segunda família de quarks e léptons praticamente idênticos aos que observamos no nosso dia a dia. A única diferença entre as duas famílias é que as partículas da segunda família são bem mais pesadas e instáveis, rapidamente desintegrando em partículas do nosso dia a dia.
Interessante, duas famílias. Terminou por aí, ou a natureza tem mais uma carta na manga? Por mais incrível que pareça, existe uma terceira família, de partículas muito mais pesadas que as das duas primeiras famílias.
Um exemplo, o tau, o “primo” do elétron e do múon, pesa cerca de 3.500 vezes mais que o elétron, e 17 vezes mais que o múon. Terminou por aí? Não temos certeza absoluta, mas tudo indica que o universo não tem mais nenhuma família de partículas elementares, só essas três.
E o que é novo nessa história toda? Os quarks e léptons da terceira família foram observados em laboratório entre a década de 70 e de 90. Em 2012, a partícula de Higgs foi observada no CERN, em Genebra.
O Higgs tem uma função — gerar o peso das outras partículas elementares. Sem o Higgs, não teríamos uma boa explicação para os pesos distintos das três famílias. Mas fora o Higgs, todas as outras forças da natureza (gravidade, eletromagnética e forças nucleares) são democráticas com as três famílias. Ou pelo menos essa é a previsão do modelo que explica todo esse zoológico de partículas elementares.
Essa hipótese democrática, de que as três famílias se acoplam de forma idêntica às forças da natureza, tem sido testada em aceleradores de partículas desde o começo do século 21.
Há duas semanas, a colaboração LHCb do CERN divulgou uma aparente violação dessa hipótese democrática. O experimento observou o decaimento radioativo de quarks “bottom” (o quark mais leve da terceira família) em elétrons (da primeira família) ou múons (da segunda família).
Apesar do múon ser 200 vezes mais pesado que o elétron, a hipótese democrática é a de que o quark decai em proporções iguais para elétrons ou múons.
O experimento mostrou uma tendência de decaimento maior para elétrons do que para múons — para cada 100 decaimentos com elétrons, houve 85 decaimentos com múons.
O resultado é intrigante e mostra que talvez a hipótese democrática está errada, e ainda há algum novo ingrediente no cardápio de partículas elementares do nosso universo.
Uma das perguntas mais intrigantes dessa história toda é — por quê três famílias? Ninguém sabe. Talvez novos resultados experimentais mostrem que as famílias estão conectadas de alguma forma nova, inusitada, revelando os porquês de sua existência. Ou talvez acabemos por descobrir mais uma camada de mistério?

* Guilherme Pimentel é pesquisador no instituto de física da Universidade de Amsterdã na Holanda. Tem graduação em engenharia eletrônica e mestrado em física pelo ITA. Fez doutorado em física na Universidade de Princeton e trabalhou como pesquisador na Universidade de Cambridge. Sua pesquisa é focada em cosmologia e física de partículas; em particular, em propor novas teorias para explicar a expansão acelerada do universo.

Foto de capa: Observatório Kamioka, Instituto de Pesquisa de Raios Cósmicos da Universidade de Tóquio

Fonte: UOL

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