Papai Noel, fadas: faz mal inventar e desmentir para criança que existem?
A tecnologia tem se superado tanto, principalmente direcionada a filmes e TV, que se até os adultos se surpreendem com a qualidade dos resultados obtidos, o que esperar das crianças? Dinossauros que se movimentam, caçam e rugem como os que existiam há 65 milhões de anos e figuras populares como Papai Noel, Homem-Aranha e coelhinho da Páscoa igualmente muito evoluídos para os padrões de 30, 40 anos atrás. Atualmente, o bom velhinho usa até internet.
Mas e quando além dos impactos visuais e de todo o resto que os acompanha (brinquedos, datas comemorativas, narrativas, atrações temáticas) os pais reforçam para seus filhos que tudo isso é de verdade —mesmo não sendo — e passado algum tempo desmentem? Qual o efeito no psicológico e emocional dos pequenos? Melhor nem se envolver no assunto? E o que fazer se a criança passar a questionar os pais e levar suas fantasias a sério?
De acordo com os especialistas, primeiro é preciso compreender que a vida é feita de fases, que em geral se cumprem naturalmente. Segundo que numa relação entre pais e filhos, que é contínua, dúvidas, questionamentos e dificuldades estarão presentes o tempo todo, de ambos os lados e, principalmente, quando se experimenta algo pela primeira vez. Por último, toda situação deve ser analisada dentro de um contexto, e não isoladamente.
Inventar é entrar na brincadeira
Toda criança, lá pelos seus quatro anos, depois de ter aprendido a falar o básico e se comunicar, inaugura a fase da fantasia. Esse é um período em que a imaginação está à solta e meninos e meninas passam a inventar historinhas para interagir e brincar com os coleguinhas, primos, irmãos e aprender sobre o mundo, mesmo que inicialmente de forma lúdica, possibilitando externalizar também suas emoções. Então, é normal que acreditem em praticamente tudo.
Quanto aos pais e outros adultos, eles não devem tolher ou recriminar os filhos por isso. Pelo contrário, é muito importante que eles passem por essas experiências desenvolvedoras. “Dessa forma, não é obrigatório que ao inventar mitos, os pais estejam criando um problema — para os filhos e para si. É preciso compreender como se fosse um romance, uma novela, um filme“, informa Wimer Bottura Junior, psiquiatra com especialização em psiquiatria infantil pelo Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Se não quiserem participar, ou não se sentirem seguros para “entrar em cena”, os cuidadores da criança podem então mudar o foco e iniciar outro passatempo e, caso ela insista, por exemplo, em ir ao “parque dos dinossauros”, tratar o pedido com espontaneidade e descontração, oferecendo até a possibilidade de se conhecer um parque parecido. Já o encontro com o Papai Noel pode ocorrer no shopping ou em casa e com o Homem-Aranha na festa de aniversário. Só não é indicado ignorar, negar ou fazer piada do que ela conta com empolgação e considera real.
Se for desmentir, tenha trato
A crença em seres fantasiosos pode se manter até entre seis e oito anos de idade. A percepção de que eles só existem no cinema, nos gibis ou dão as caras apenas em eventos infantis está ligada ao também natural processo de maturação cognitiva e distinção entre subjetividade e realidade. Em conformidade, a segurança emocional da criança se aprimora e, pelo contato com os de sua geração, suas inclinações mudam para outros assuntos ou amenizam.
O desprendimento é progressivo e não deve ser apressado com comentários, críticas ou restrições ao consumo de brinquedos, filmes, tudo o que remeta à fantasia. Bottura lembra que, muitas vezes, os adultos censuram, mas não percebem que também tendem a acreditar em seres cientificamente irreais. Assim, a intervenção precoce pode causar até mais prejuízos e a criança, se notar essa incoerência dos pais, até deixar de acreditar no que eles dizem.
Isso não significa, no entanto, que os adultos não possam incentivar a desconstrução da fantasia que ajudaram a criar ou reforçar. “Indo devagar, de forma sutil, natural e lúdica, podem começar a mostrar o que não existe. Só não pode ser abrupto, tipo uma quebra de enredo, para não causar alguma dor emocional, ou desilusão nos filhos, principalmente com os pais”, revela Gabriela Luxo, psicóloga, mestre e doutora em distúrbios do desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP).
Pais, observem mais seus filhos
Agora, se uma criança em idade para distinguir ficção de realidade mantém a ideia fixa de que seres fantasiosos existem, não aceita ser contrariada e quando isso ocorre se isola, faz birra e não busca outro tipo de assunto, é preciso que os pais se atentem e, suspeitando de algo errado, que conversem com a escola para saber sobre seu comportamento e relacionamento com outras crianças e que encaminhem o caso para o pediatra e psicólogo/psiquiatra.
Pode se tratar de transtorno, mas também alguma dificuldade para se relacionar, expor e lidar com as próprias emoções e dúvidas; falta de atenção e sentimento de incompreensão, embora os pais façam tudo, mas não percebam outras necessidades que não estão sendo supridas. “Para as crianças é mais difícil, por exemplo, ficarem afastadas de quem se tem afeto e de compreender isso, o que exige dos adultos um esforço maior em sua direção”, ressalta Larissa Menezes, psicóloga da Clínica Personal, da Central Nacional Unimed em Salvador (BA).
Mas também é preciso cuidado para não se problematizar todo e qualquer episódio pequeno. É natural que crianças reproduzam algo que tenham visto, queiram defender seus pontos de vista e testem os pais de vez em quando. Por isso, antes de se dizer “sim” ou “não” para os pequenos, processe as informações dadas por eles. Isso significa conversar sobre o que gostam e têm aprendido no dia a dia e fazer perguntas que os levem a refletir sobre o que dizem.
Fonte: UOL