Constelação Familiar. Logo, animais são estrelas — Parte II
Na Constelação Familiar o argumento que “explica” um estupro incestuoso de vulnerável é que o tetravô estuprador teve as leis do amor quebradas, portanto ele segue por gerações em busca de retaliação
Ursos são estrelas. A proposta da seita da Constelação Familiar está acomodada num espírito que busca retaliação por gerações e gerações. “Espírito” aqui referido diz respeito ao vocábulo que é sinônimo de alma, mas também traz seu significado de envolvimento. São os espíritos dos ancestrais mortos que são invocados para “solucionar” magicamente crimes intrafamiliares que são minimizados e classificados como “conflitos” familiares. O incesto, claro, está sempre presente nesses crimes. Mas, não tem mais espaço para ser pensado nem punido. Afinal, onde ficou o incesto do tetravô que foi um estuprador em vida, por volta de 1810? Incesto? Mas o fato do pai praticar atos libidinosos com o filho em 2019, como é denominado?
Nesse ponto, entramos numa zona cinzenta. Há um cavalo trazido pelo constelador, na sala onde vão ser encenadas as constelações familiares de várias famílias. Todas juntas. O constelador fará uma breve introdução, explicando, resumidamente, o que acontecerá, e pede um compromisso de sigilo. Compromisso de sigilo? Para pessoas que não se conhecem e que ele não tem a menor ideia de seus potenciais destrutivos. Mas um cavalo de verdade, de raça pura, um lindo espécime, surge na sala com algumas dezenas de pessoas que sofrem com crimes, aqui chamados de conflitos. Cavalo? Sim, o animal cavalo. Talvez, seguindo a linha da religião da Umbanda, conseguiremos ter um pouco de luz sobre essa tese mística, que se tornou a menina dos olhos de muitos operadores de justiça.
Na Umbanda, é chamado de “cavalo” o corpo de quem incorpora o espírito, ou seja, o Pai ou a Mãe de Santo recebe o espírito que, através de seu corpo, materializa comportamentos que ele, o espírito, quer comunicar aos vivos que vem buscar informações sobre ele. O “cavalo” tem livre arbítrio para dar limites ao espírito atormentado, sedento por vingança e crueldade.
No caso da constelação familiar, a incorporação do espírito é substituída pela recepção das vibrações morfogenéticas no delineado campo magnético.
Concepções a cargo do constelador, assim como a escolha aleatória das pessoas que atuarão no caso do outro grupo familiar que está passando o “conflito” que o levou a buscar a Justiça. O cavalo, o animal, parece, ter a representação de mais fidedignidade quanto às vibrações morfogenéticas, sendo também mais “puro” em seus movimentos. Esses movimentos espontâneos dos “atores” que encenam o “conflito” da outra família, são traduzidos por interpretações feitas pelo constelador. No caso da participação do cavalo, essa possível movimentação no campo magnético, parece inspirar mais pureza para as interpretações do constelador.
Nessa linha da melhor comunicação pelas vibrações morfogenéticas, já surgiu uma variante que prega o “todo mundo nu”, por facilitar esse processo de conexão. Essa modalidade tem sido seguida por consteladores privados. O dinheiro público patrocina práticas na justiça, no SUS, em Delegacias de Polícia e em Escolas. Em todos os quatro lugares, deixa claro o desvio de propósito. Julgar, tratar, investigar e ensinar.
Sei que não está muito fácil de acompanhar. Essa semana, várias pessoas me procuraram para que eu explicasse o que é constelação familiar. O artigo da semana passada mostrou a muitos que há algo acontecendo dentro dos processos judiciais de família que carece de lógica, de bom senso, de coerência. A própria tese concebida por Hellinger, que afirmava que cada família tem uma única alma para todos os seus membros, mas que seus seguidores resistem e refutam a ideia de misticismo da tese, insiste em se pretender identificada com a Física Quântica.
Na Constelação Familiar o argumento que “explica” um estupro incestuoso de vulnerável é que o tetravô estuprador teve as leis do amor quebradas, portanto ele segue por gerações em busca de retaliação. Mas essa atitude de retaliação contrasta com a exigência do perdão. Amor e Perdão indispensáveis e contínuos misturados à sede insaciável de vingança. Os vivos têm que ter amor infinito, mas os mortos voltam cheios de ódio, em busca de retaliação.
Sabemos que a angústia de morte é a única certeza e a única pergunta sem resposta que incomoda a mente humana. A impotência diante da morte incógnita sempre, é, por vezes, insuportável. Os mortos, onde ficam? O que fazem? E os que nos conheceram, são mais assustadores ainda. A crença na magia de um suposto controle dos mortos, traz um alívio para essa enorme impotência. Essa situação emocional, medo, impotência e curiosidade pelo desconhecido mundo dos mortos, certamente, habita a mente de magistrados que lançam mão de uma tese mística.
Na superstição de que os mortos têm razões “justas” para buscar a retaliação junto aos vivos, juízes têm declarado que, com a constelação familiar, eles julgam mais pelo campo magnético do que por fatos contidos nos processos, acreditando que essa tese é facilitadora porque traz para o claro as forças ocultas das relações familiares. Razões ocultas são ouvidas e consideradas no julgamento, contrastando, frontalmente, com a não escuta, pelos mesmos consteladores, da Voz de Criança, e da Voz da Mulher, essa a culpada de tudo por não ter acolhido e amado seu agressor, ou o estuprador de seu filho/a.
Penso que o peso da ação de julgar, a complexidade e responsabilidade de um julgamento, são tão difíceis que passar uma procuração para o constelador que se comunica com os mortos, alivia essa dor do medo do erro. Afinal, se foi dito pelo morto, não tem possibilidade de estar errado. Quem irá contradizer um morto? O julgamento vicário parece ser uma realidade para amenizar a responsabilização. E, sendo o morto o culpado, o autor do crime intrafamiliar é desresponsabilizado da culpa. Dolo?