Turismo

Com agroecologia, reúso de água e energia verde, hotéis reduzem impactos socioambientais e atraem turistas conscientes

Retomada das viagens ganha tons ecológicos, com hospedagens reduzindo uso de plásticos descartáveis, apoiando agricultura familiar e restaurando biodiversidade local. Todos ganham

Depois de quase 10 anos trabalhando com pousadas sustentáveis, o casal Alexandre Haberkorn e Luciana de Sá Nogueira resolveu investir no próprio sonho de construir um hotel inteiramente sustentável. Assim nasceu o Banana Bamboo Ecolodge, em 2015, localizado em 25 hectares de Mata Atlântica em Ubatuba, São Paulo, próximo à divisa com Paraty, no Rio de Janeiro.

“A propriedade já abrigava uma pousada, então a gente a readequou para moldes mais sustentáveis, o que incluiu a implantação de energia solar, a construção com elementos mais naturais, como o bambu, a adoção de telhados verdes, a captação e reuso de água da chuva e a restauração ambiental com implantação de sistemas agroflorestais, que hoje servem como nossa fonte de alimentos”, conta Alexandre.

O menu é complementado com produtos da agricultura familiar local. A antiga piscina convencional foi transformada em uma biopiscina, onde plantas substituem os filtros e os produtos químicos. O tratamento da água acontece no local, por meio de biodigestores, e o de esgoto é feito em fossa filtro com anéis de concreto, sistema biológico que une fossa séptica e filtro anaeróbico de plantas aquáticas. Para fechar o ciclo da alimentação, os minhocários garantem a compostagem dos resíduos orgânicos, e os resíduos recicláveis são encaminhados para o reaproveitamento.
O kit para banho, com shampoo, sabonete e condicionador, é feito na própria pousada a partir de óleos essenciais e produtos naturais. Além dos cuidados ambientais, a empresa adota práticas sociais e de governança, como parceria com comerciantes locais, educação ambiental de funcionários, parceiros e visitantes e participação em conselhos ligados a turismo e meio ambiente.

Biopiscina da Banana Bamboo Ecolodge: plantas substituem os filtros e os produtos químicos (Foto: Divulgação)

Alexandre relembra que a crise ambiental mundial foi o grande motivador para o empreendimento. “Sentimos a necessidade de colocar em prática os objetivos da sustentabilidade, com respeito às pessoas e ao meio ambiente, e vimos que fazendo isso em uma pousada nós poderíamos influenciar e despertar em nossos hóspedes essa questão. Acima de tudo nós queremos transmitir os ideais da sustentabilidade e ensinar nossos hóspedes, por meio da experiência, que eles podem viver de forma mais sustentável e adotar essas técnicas em suas vidas”.

Segundo o relatório de viagens sustentáveis de 2022 do Booking.com, 71% dos entrevistados planejam viajar de forma mais ecológica, um aumento de 10% em relação aos resultados do ano passado, e 53% dizem estar mais determinados a fazer escolhas de viagem ambientalmente responsáveis.
“Grande parte de pesquisas que lemos atualmente, tanto científicas quanto de mercado e focadas em tendências e negócios, indica a preferência de consumidores por opções de viagens sustentáveis”, afirma Jaqueline Gil, CEO da Amplia Mundo e doutoranda em Desenvolvimento Sustentável na Universidade de Brasília (UnB), onde pesquisa mudanças climáticas e turismo.

“Isso é um grande e bem-vindo indicador de que a indústria precisa mudar e refletir sobre os gargalos que a tornam pouco sustentável, como os impactos ambientais oriundos de grandes volumes de pessoas em áreas naturais, os meios de transportes, as emissões de carbono, a geração de resíduos sólidos às toneladas, a gestão inadequada de águas e o cuidado com as pessoas”, destaca.

A busca por viagens sustentáveis é o caso da maioria dos hóspedes da Uakari Lodge, no Amazonas, segundo Gustavo Pinto, gerente de marketing e relacionamento com o mercado. “Até cinco anos atrás, as estratégias de sustentabilidade não eram a principal motivação dos turistas, que vinham pelo fato de ser um local muito remoto e que tem uma possibilidade muito ampla de avistamento de fauna. Mas a gente vê, com as tendências de mercado em torno de turismo sustentável responsável, que a motivação principal do turista atualmente é sim o fato de que a Uakari preza pela sustentabilidade muito além de ser tendência ou moda”, afirma Gustavo.

A pousada nasceu em 1998 como uma iniciativa sem fins lucrativos com o objetivo de conservar a biodiversidade local e apoiar o desenvolvimento socioeconômico das comunidades ribeirinhas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, uma Unidade de Conservação estadual.
A estrutura atual, inaugurada em 2003, funciona 100% com energia solar e possui um sistema de captação de água da chuva para reutilização nas pias e sanitários. As telhas foram desenvolvidas a partir da reciclagem de garrafas PET, em uma parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Quase 100% do consumo de verduras, legumes e peixes é fornecido pelas próprias comunidades do entorno do Uakari.

Base comunitária: Uakari Lodge é administrada por meio de gestão compartilhada entre o Instituto Mamirauá e as comunidades da Reserva (Foto: Uakari Lodge)

Visando a expansão do uso de energias renováveis, há um estudo em andamento do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que é o criador e comantenedor gestor da pousada, para viabilizar a substituição de motores tradicionais das embarcações por motores movidos a energia solar.
O instituto mantém diferentes grupos de pesquisa que monitoram os impactos socioeconômicos e ambientais da atividade turística na região, como os efeitos na qualidade das águas e o comportamento da fauna. “Desde a concepção da pousada, a meta era gerar o mínimo impacto e monitorá-los ativamente, e temos conseguido isso graças a um grande número de estratégias de acompanhamento presentes desde a inauguração”, conta Gustavo.

Projetos de pesquisa e conservação também fazem parte do modus operandi da Pousada Trijunção, na Bahia. Inaugurada em 2018, a pousada está localizada na Fazenda Trijunção, que existe há 25 anos em 33 mil hectares — 10% da área são dedicados à produção agrosilvopastoril sustentável e 90%, à conservação. A propriedade tem cinco Reservas Particulares de Patrimônio Natural (RPPN), que somam quase sete mil hectares, e outros 12 mil em responsabilidade compartilhada com o Parque Nacional Grande Sertão Veredas.
Durante sua estada, os hóspedes são convidados a conhecer e acompanhar os projetos.

“Acreditamos que a vivência em primeira pessoa é o que cria a conexão entre o viajante e o lugar. Viver alguns dias conosco, conhecer mais sobre o ecossistema, ter a oportunidade de se aprofundar sobre a fauna e flora, descobrir segredos e riquezas da natureza local e conhecer o contexto histórico por meio da floresta transformam os viajantes em verdadeiros guardiões do Cerrado”, afirma Pedro Treacher, diretor de hotelaria da pousada. “O projeto de conservação é o que promove e conduz a narrativa de hospedagem. Temos um número relevante de hóspedes que chegam por indicação ou porque buscam destinos que têm algum aspecto sustentável e se interessam em conhecer os projetos que conduzimos”.

De acordo com Jaqueline, a sustentabilidade tem sido mais apreciada pela urgência dos impactos causados pelas mudanças climáticas, que afetam milhares de pessoas no mundo. “Em turismo, adicionalmente, há o componente da demanda: os viajantes estão buscando opções que possam deixar o local que visitam melhor do que encontraram. Quando o movimento vem dos consumidores, a tendência é que transformações em políticas públicas e em negócios aconteçam mais rapidamente, e isso deve acontecer em viagens e turismo nos próximos anos”, afirma.

Em pesquisas da rede multinacional de hotéis Accor, realizadas com hóspedes do mundo inteiro, 86,4% disseram que se sentiram satisfeitos com a troca de itens plásticos de uso único por alternativas mais sustentáveis, um exemplo de como a demanda por um turismo mais responsável está provocando mudanças na indústria e no comércio.
Como parte dos seus compromissos de sustentabilidade, a companhia pretende eliminar 48 itens de plástico de uso único em diversas áreas dos hotéis até o final de 2022 – 60% dos hotéis da empresa hoje oferecem shampoo e condicionador em dispensadores, não mais em frascos individuais para cada hóspede. A estimativa é que a substituição dos itens da lista nas operações de segmentos econômico e midscale no Brasil deixou de gerar 40 toneladas de plástico.
Ao todo, a Accor pretende reduzir seus impactos ambientais em nove segmentos. Para diminuir o consumo de água, quase todas as unidades possuem controladores de vazão em pias, chuveiros e torneiras, 80% delas têm sistema duplo de descarga nos vasos sanitários e 40% empregam mecanismos de reuso de água.

A estimativa é reduzir os resíduos alimentares em 30% até final deste ano, com objetivos de privilegiar fornecedores locais e produtos da época, ampliar a oferta de produtos orgânicos e da agroecologia, priorizar fornecedores que tenham compromissos relacionados ao bem-estar animal, utilizar ovos 100% de galinhas livres até 2025, banir as espécies de peixes ameaçadas, promover a pesca responsável, eliminar aditivos químicos, reduzir gorduras e açúcares e oferecer café e chá certificados.
Como signatária da Declaração de Glasgow para Ações Climáticas no Turismo, a Accor e outras grandes empresas do setor se comprometeram a reduzir em 50% as emissões atmosféricas até 2030 e zerar suas emissões até 2050, expandindo, por exemplo, o uso de energia renovável — na América do Sul, 35% dos hotéis da rede possuem painéis solares.

“As medidas de sustentabilidade e de combate à emergência climática refletem não apenas um compromisso da Accor, mas um compromisso de mudança profunda da forma de se conduzir os negócios, saindo de um modelo histórico de externalidades negativas para um modelo de hospitalidade contributiva, em que cada hospedagem será uma contribuição para a sociedade e para o planeta”, afirma Antonietta Varlese, vice-presidente sênior de comunicação, relações institucionais e responsabilidade social Accor América do Sul.

Ela acredita que isso é possível por meio de quatro pilares estratégicos: mudança de mentalidade por meio da educação, inspiração e conscientização de stakeholders; alinhamento da estratégia de sustentabilidade e finanças; construção de um modelo de soluções sustentáveis que foquem nos proprietários de hotéis, investidores, hóspedes e clientes; e liderança de uma implementação massiva, integrando toda a cadeia de valor do turismo.
Para Jaqueline, os meios de hospedagem enfrentam desafios ambientais, como gargalos referentes à emissão de gases de efeito estufa e à gestão de água e de resíduos sólidos, e também desafios socioeconômicos relacionados à gestão de equipe.

“Quando falamos em sustentabilidade, é importante considerar o conjunto dos itens da relação sociedade e natureza, em que estão incluídas as temáticas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 da ONU. Todas as iniciativas são válidas, mas é importante olhar em seu conjunto. Tratar de temas relacionados ao bem-estar das pessoas, como igualdade de gêneros, salários justos, trabalho decente e com folgas é tão importante quanto olhar para os temas ambientais”.

Para garantir os avanços, a pesquisadora diz que existem cada vez mais certificações hoteleiras que atestam emissão neutra de carbono, trabalho justo, comércio legal e atuação em prol do bem-estar do entorno, com projetos de regeneração de espaços naturais e apoio a comunidades locais. Segundo ela, o conjunto dessas ações e certificações deve indicar a consolidação de temas de sustentabilidade nos empreendimentos de hotelaria, contribuindo para o crescimento do turismo sustentável no mundo. Vamos torcer.

Fonte: Um Só Planeta

Luzimara Fernandes

Luzimara Fernandes

Jornalista MTB 2358-ES

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