Como cresce uma Criança? — Parte X
O impacto de extremo estresse promovido durante a infância pela violência física e pela violência sexual causa danos irreversíveis à mente
Os acontecimentos extremados, de alegria ou de sofrimento, que ocorrem na infância e, mais precisamente, os acontecimentos traumáticos, tomam contornos e conteúdos compatíveis com a faixa etária da Criança. Tendo como palco o corpo da Criança, corpo espancado, corpo violado e corpo desejado sexualmente, mesmo que não tocado. O corpo dela, em diversas dimensões, mas sua única posse legítima. Assim, um mesmo fato pode repercutir de diferentes maneiras. Mas, se é de extremo estresse, haverá sempre uma repercussão permanente, é um impacto de consequências imprevisíveis quanto à sua nocividade.
A violência física e/ou sexual praticadas contra uma Criança/bebê que ainda não desenvolveu sua imagem corporal na mente fica com um registro mnêmico difuso estendido a todo o corpo. Pela incapacidade de localização mental da parte afetada no corpo, o bebê receberá como uma descarga elétrica que percorrerá todo o corpo. Como no sorriso, ou no choro, é o corpo todo que sorri ou que chora. Quando um bebê é espancado, ele não consegue localizar a parte do corpo que está sendo agredida. Do mesmo modo, quando um bebê está sendo abusado sexualmente, ele sente o excesso de estimulação e de dor no corpo todo.
Portanto, a lembrança não será armazenada enquanto memória, mas um registro dessas sensações, difusas, e não pertencentes ao seu pequeno acervo de registros, será guardado. Confuso, espalhado pelo corpo, sensações que não encaixam nas “caixinhas” que precisam ser “alimentadas” com as experiências, da maneira mais organizada possível para que tenham eficácia no momento de um resgate. Ou seja, como toda a apreensão de mundo se dá por sensação boa ou ruim, sempre em experiência vivida, enquanto sensação difusa não é nomeada, não é registrada pela localização no corpo, mas fica a impressão marcada nessas condições. Essa é a memória afetiva rudimentar, agradável ou desagradável, estimulante ou dolorosa, que vai sendo construída.
Portanto, quando um bebê é espancado ou abusado sexualmente, esse registro de memória segue esse padrão de ainda desorganização, mas o registro mnêmico vai sempre existir. O mal-estar, produzido por cada episódio traumático, é cumulativo. Há pouca, pouquíssima, possibilidade de haver um processo de adaptação, porquanto cada episódio é surpreendente. Se não é entendido nem, minimamente, classificado, pela incapacidade da imaturidade dessa faixa etária. Faz-se necessário reforçar que não há episódio isolado, único, de violência física e sexual. Há uma escalada crescente ininterrupta. O agressor se descobre viciado na sensação de Poder que retira do bebê. Mas não é um vício qualquer. Ele mantém o controle sobre o momento que irá repetir o ato do abuso. E, ainda, não necessita de nenhuma substância para praticá-lo.
Nenhum predador, espontaneamente, sacia sua vontade de abusar ou de espancar. Ele é capaz de adiar para ter as circunstâncias perfeitas para sua crueldade que se inscreve na condição ideal de ficar sozinho com sua vítima. Isso é meticulosamente calculado porque tem como razão a situação de ter duas palavras apenas, a da criança e a dele. Portanto, todo agressor de bebê, de Criança e de adolescente, é responsabilizável pela violência que pratica. Ele sabe o que está fazendo e é dissimulador de sua agressividade para obter a manutenção da sua impunidade.
Hoje, esses predadores de Crianças, de todas as idades, contam com a cobertura da lei de alienação parental, lei inconstitucional que viola Direitos Fundamentais, que se pretendem garantidores no Ordenamento Nacional e nos Tratados Internacionais, acordados e assinados. A existência de uma lei que, tendo por objeto de justificação o afastamento do pai promovido pela mãe, executa o mesmo objeto, o afastamento da mãe alcunhada de “alienadora”. O pai, mesmo criminoso, segundo algumas vozes psicojurídicas, não pode ser afastado em razão da proteção da Criança. Mas a mãe se torna de altíssima periculosidade por ter buscado essa proteção junto aos órgãos que têm essa prerrogativa em sua definição. Esses mesmos órgãos promovem, então, a Privação Materna Judicial, causando mutilações afetivas nessas Crianças, que perdem a mãe e são entregues, “legalmente”, aos seus algozes.
A humanidade — em sua história — demonstra, em vários momentos de práticas de atrocidades, esse mecanismo do “legalizar” um comportamento de perversidade. Foi assim com a colonização de novas terras, os colonizadores estavam amparados em uma lei que permitia a extração voraz das riquezas do país ainda vulnerável. Foi assim com o comércio internacional de escravos, era legalizado. O Apartheid era legalizado. Assim como com o Holocausto, havia uma lei que justificava matar grupos de pessoas, torturando-as e “experimentando” aberrações com requintes de crueldade, porque se encaixavam em preconceito racial absurdo. Aliás, uma das experiências do laboratório humano era exatamente arrancar os filhos dos braços de suas mães, observar o aniquilamento delas, anotando tudo, e devolvê-los quando estavam morrendo em consequência das loucuras praticadas nos tais laboratórios de comportamento humano. Era possível, por exemplo, isolar mãe e filho, para contar quantas horas uma Criança aguentava chorar pela sua mãe, sozinha numa sala branca. Estava amparado numa lei.
O impacto de extremo estresse promovido durante a infância pela violência física e pela violência sexual causa danos irreversíveis à mente. Bebês são arremessados contra paredes, socados, sacudidos, e, se já ficam de pé, são chutados. São fraturas de base de crânio, fraturas de ossos da face e de fêmur, dilaceração de vísceras com hemorragia interna. Ao darem entrada nas Urgências Pediátricas, a frase que os acompanha é “Caiu da cama, doutor”. Quantos Bebês e Crianças passam pelos Serviços sem terem o diagnóstico de maus-tratos. Só o óbito mexe um pouco com o procedimento devido. Joana Marcenal passou, e nem os indícios claros foram capazes de causar um estranhamento no que deveria ser uma equipe de pediatria. Mas, seu óbito não levou a julgamento, até hoje, 12 anos depois, os responsáveis.
Também Bebês e Crianças, abusadas sexualmente, passam por serviços médicos, por creches, escolas, e ninguém repara nos sinais dos abusos que sofrem. É preciso que haja uma situação concreta grave de materialidade, e, mesmo assim, a grande, grande, maioria de casos é desviada para uma acusação de alienação parental da mãe. Quantos Bebês vitimados crescem e, durante a infância, relatam os abusos, mas, são interpretados como mentirosos e fantasiosos, que têm “falsas memórias”, outra tese não científica que fere a inteligência média de qualquer um pelo absurdo engendrado para acobertar um predador e oprimir mais uma Mulher. O Princípio da Razoabilidade, Princípio Constitucional, é soterrado por uma falsa ciência.