Cultura

Versão — Parte II

Ao sentir os seus lábios doces, e, com a faca na mão, questiono a minha decisão. Estou entre a covardia e a dignidade. Após nossos lábios se afastarem, olhando para os seus olhos, firmei a faca entre os dedos.
— Amor, está tão linda hoje. Como eu te amo!
— Você sempre gentil! Obrigada, amor. — Ela se aconchegou em nosso abraço.
Está se escondendo novamente em sua covardia! Pensou o meu eu maníaco. Não irei conseguir. As minhas mãos estão suadas! Nem mesmo diante de uma traição, você consegue se revelar? É um insignificante. Novamente, a minha versão estava me persuadindo a cometer algo que, apesar da fúria me fazer acreditar que era o melhor caminho, eu não concordava. Ou talvez eu concordasse um pouco.

Com ela ainda em meus braços, pensei em tudo que vivemos, mas também em tudo que presenciei naquela cama sórdida. Jamais serei um homem completo novamente. Eu a amo mais que a mim mesmo. Entretanto, quando vi o seu corpo entregue a outro homem, deixei qualquer dignidade para trás, perdi a esperança e me lancei à mediocridade. Você está certo! Sou um covarde!
— Amor, por que me traiu? — sussurrei, ao apertar a faca com ódio.
— Não, está enganado. Jamais te trairia! Você é o amor da minha vida! — Ela disse, ao se erguer e me olhar nos olhos. Ela mentiu para mim, olhando nos meus olhos.

— Eu a vi na cama com o Wil! Logo com o meu melhor amigo?
Ela me abraçou mais forte e chorou, sem me olhar nos olhos.
— Eu fui fraca e não resisti à atração que rolou entre nós. Contudo, eu não o amo. Eu amo você!
— Não, você não ama. Eu errei por amar demais, por ser subserviente e gentil ao extremo com você. Wil sempre foi um cafajeste com as mulheres e sempre conseguiu conquistar as mais interessantes. Conquistou até você.

Ainda envolvidos naquele abraço, permanecemos sem palavras, sem esperanças e sem saber como seria, dali por diante. Faça o que tem que ser feito, seu covarde! Mais uma vez a provocação era interna, e eu resolvi, naquele segundo, ao pensar naquela frase, o que fazer. Então ergui a faca entre nós dois e desferi um golpe denso. Rasguei a minha carne e pude sentir o penetrar da lâmina em meus órgãos. Resolvi, envolvido por seu perfume, que talvez houvesse alguma dignidade em minha covardia.

Ela se desesperou ao ver o sangue entre nós dois e conduziu o meu corpo até o chão, para chorar sobre as duas versões de uma mente covarde e insana. Diante das últimas migalhas da minha consciência, pensei: “imbecil!” você irá morrer e ainda vai deixar a sua mulher para o seu amigo! Processei e retruquei: “ela nunca foi minha. E ele nunca foi meu amigo”.

Autora: Silvia Vanderss
Conto: Versão
Palavras: 465
Livro: O Medo

Silvia Vanderss

Silvia Vanderss

Autora capixaba, com formação em Administração e Letras Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia Blog literário: www.silviavanderss.com.br

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