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Grãos de pólen do fundo de lagoa revelam a história recente da Caatinga

Por Sarah Schmidt/Revista Pesquisa Fapesp

Sedimentos e grãos de pólen retirados de uma profundidade de até 1,7 metro abaixo do fundo de uma lagoa temporária do município de São João do Cariri, centro-sul da Paraíba, ajudaram a elucidar a história mais recente da Caatinga, a paisagem predominante do sertão nordestino.
Espécies nativas da vegetação adaptada à seca que se vê hoje na região, como as árvores dos gêneros Licania, à qual pertence o oiti, e Anacardium, do cajueiro, estavam em camadas de sedimentos com idade entre 4,9 mil e 2,2 mil anos. Essa constatação levou pesquisadores de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e São Paulo a concluírem que a paisagem atual da Caatinga se estabeleceu há cinco mil anos.

Quando terminou a última glaciação, por volta de 12 mil anos, o clima ficou menos úmido na região Nordeste do Brasil, mas foi depois, a partir dos cinco mil anos, que a Caatinga começou a tomar a forma que conhecemos”, diz o geógrafo José João Lelis Leal de Souza, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), principal autor do artigo publicado em julho na revista Mercator.

Por volta de 2,1 mil anos, a concentração de esporos de ervas aquáticas, pteridófitas (plantas vasculares e sem sementes, como as samambaias) e algas sugere oscilações entre um clima semiárido mais úmido e mais seco, associadas aos fenômenos El Niño e La Niña. Por volta de 1,6 mil anos, o clima assentou, com longos períodos de seca e chuvas fortes ocasionais.

Antes da vegetação atual, que o escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953) descreveu como avermelhada, rala e de galhos pelados no livro Vidas Secas, o sertão deve ter sido ocupado por uma floresta semelhante à Amazônia e à Mata Atlântica, com espécies pouco resistentes à seca extrema, que desapareceram com o clima seco.

Agregados do solo, com partículas minerais e orgânicas. A atividade biológica gera os poros que facilitam o crescimento das raízes, a infiltração da água e a troca de gases com a atmosfera (Foto: UFV)

Estamos trabalhando com um registro de 17 mil anos atrás e vemos um arranjo florístico muito diferente do atual, num momento muito úmido e mais frio com espécies hoje restritas a regiões montanhosas”, comenta o palinólogo (especialista em pólens) Paulo Eduardo de Oliveira, da USP, coautor do estudo. Segundo ele, alterações na composição florística ocorreram várias vezes.

Algumas linhagens de plantas das florestas secas da Caatinga são muito antigas e começaram sua trajetória evolutiva há aproximadamente 34 milhões de anos, na transição dos período Eoceno para Oligoceno.
O biólogo Moabe Fernandes, em estágio de pós-doutorado da Universidade de Exeter, no Reino Unido, e pesquisadores das universidades Federal da Bahia (UFBA) e estadual de Feira de Santana (UEFS) chegaram a essas idades examinando fragmentos de DNA e a distribuição geográfica de 95 espécies de plantas endêmicas da Caatinga, como detalhado em um artigo de fevereiro de 2022 na Frontiers in Ecology and Evolution.
De acordo com esse estudo, a maioria das linhagens típicas da Caatinga deve ter aparecido entre 16 milhões e cinco milhões de anos atrás.

A diversificação coincide com fases de formação dos ambientes áridos no planeta, que provavelmente impulsionou o desenvolvimento de espécies adaptadas à seca e às chuvas irregulares na Caatinga e em outras regiões de florestas secas na América tropical”, comenta Fernandes.

A paisagem mudou gradualmente em resposta às mudanças climáticas. As espécies mais resistentes à seca continuaram se reproduzindo e evoluindo entre cinco milhões e 11 mil anos atrás, no período geológico conhecido como Pleistoceno.

As mudanças na vegetação desse período facilitaram a troca de linhagens e contribuíram para a diversidade atual da Caatinga”, observa Fernandes.

Segundo o pesquisador, as descobertas de períodos de maior umidade e seus grupos vegetais específicos confirmam outros estudos sobre oscilações climáticas e mostram como os ecossistemas podem se modificar.

Alto do planalto da Borborema, na Paraíba, com solos atípicos do semiárido brasileiro, que abrigam espécies indicativas de antigos corredores ecológicos entre a Amazônia e a Mata Atlântica (Foto: UFV)

Incêndios e erosão
A ação humana parece ter contribuído para as mudanças. Micropartículas de madeira carbonizada dispersas nos sedimentos da lagoa da Paraíba indicaram possíveis incêndios, enquanto vestígios de plantas comestíveis, como as dos gêneros Caryocar, ao qual pertence o pequizeiro, Dioscorea, do inhame, e Passiflora, do maracujá, sugerem a ocupação humana na região durante o chamado Holoceno médio, entre nove mil e seis mil anos atrás.

A erosão ajuda a empobrecer o solo, alertou Lelis, com seu grupo, em um artigo de julho de 2023 publicado na Revista Brasileira de Geomorfologia que detalha os resultados. No ano anterior, ao percorrer a região de São João do Cariri com sua equipe, ele identificou três grandes processos erosivos — ou voçorocas — com profundidades de um metro (m) a 2m, duas delas com rápida expansão.

De acordo com os pesquisadores, as crateras em crescimento contínuo resultam principalmente das chuvas intensas concentradas no primeiro semestre, principalmente em março e abril; a porosidade do solo raso, que facilita a formação de túneis subterrâneos por onde a água começa a erodir o terreno; e da falta de cobertura vegetal, agravada pelo desmatamento para a extração da madeira ou a abertura de áreas agrícolas, desde que a região começou a ser ocupada no século XVII.

O uso do solo na Caatinga, do jeito como é feito hoje, reduz a quantidade de nutrientes e de água e acelera a erosão, perdendo aos poucos a capacidade de sustentar a vida”, observa Lelis.

Projeto
Interações entre corredores florísticos e a megafauna pleistocênica/holocênica na Caatinga do estado de Pernambuco, Brasil (nº 15/01782-8); Modalidade Bolsa de Doutorado; Pesquisador responsável Paulo Eduardo de Oliveira (USP); Bolsista Vanda Brito de Medeiros; Investimento R$ 199.486,80.

Fonte: GizModo

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