Mobilidade

A destruição criativa

Em recente viagem a Portugal observei a integração de diversos modais de transportes atuando a favor de uma mobilidade eficiente e acolhedora. Bondes, trólebus, ônibus, metrô, trens, funiculares, patinetes, bicicletas e zonas pedonais atuam em uma atmosfera amigável, possibilitando às cidades o acesso a uma logística sensata que permite desfrutar seus encantos, comércios, ofícios e atividades de lazer. O sentido de transporte público coletivo atua em excelente tradução.
A ocasião motiva a reflexão de o porquê acabamos com nossos trilhos e deformamos nossas cidades, simplesmente em nome de uma destruição criativa que apresentava a nova tecnologia automóvel como a solução dos nossos problemas de deslocamentos. Definitivamente não foi o que aconteceu, ao contrário, originou problemas complexos em vários aspectos da experiência humana e o desenlace da situação é traumático.

A “destruição criativa”, teoria desenvolvida por Schumpeter, explica as transformações que ocorrem em um ambiente em constante evolução. Significa, grosso modo, inovações através de substituições de tecnologias ultrapassadas, trazendo algum benefício para um sistema. Hoje, entretanto, existe uma tendência de se deixar levar cegamente pelas novas tecnologias, apostando-se na salvação através delas tão somente, desprezando-se o dever de mudança comportamental. Em que pese a teoria se sustentar em muitas atividades, nos transportes não é bem assim que acontece. Neste caso, processos de aumento de eficiência são os que nos interessam e não, simplesmente, a novidade tecnológica.

Os registros históricos que enriquecem nossa premissa são muitos. Entre eles, por exemplo, o metrô de Londres, que tem 150 anos e é parte essencial para a rede de transportes da cidade; outra ilustração é a velha tecnologia da bicicleta voltando com força para substituir a nova tecnologia do automóvel. Fica claro que devemos aceitar o novo sem necessariamente desprezar o antigo.

Cidades importantes retomaram o bonde (tramways) como alternativa de transporte público coletivo, são os casos de Bruxelas, Paris e Berlim. Outras mantiveram e modernizaram seus sistemas, entre elas, Varsóvia, Basileia, Zurique, Lisboa, Porto, São Francisco e Toronto. Em todas estas destacadas metrópoles, percebemos que a prioridade sempre é o “transporte público de massa”.

Por aqui, na nossa “Região Metropolitana”, nas últimas duas décadas, não constatamos qualquer avanço na solução da barafunda do nosso transporte coletivo urbano que pudéssemos vir a celebrar. Parece que ficamos anestesiados, acostumados a ouvir apenas opiniões que, deveras, distorcem uma realidade profusa. Não à toa, enormes quantias de recursos públicos são gastas em projetos obscuros que acabam, inclusive, gerando resultados controversos.

Quando temos o conhecimento, a ignorância é uma escolha; por isso chegou a hora de dar um basta na mesmice dos discursos contundentes e projetarmos um novo olhar mais abrangente na mobilidade urbana das nossas cidades, com ações articuladas como estratégia.

Fernando Repinaldo

Fernando Repinaldo

Especialista em Administração Pública, Gestão de Projetos e Engenharia de Tráfego

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