Internacional

Constituinte chilena falha novamente

Dois projetos feitos por diferentes bancadas fracassaram no voto popular para substituir a Carta Magna, herdada de Augusto Pinochet

Antecedentes
O processo teve início após manifestações violentas contra a desigualdade social que sacudiram o principal produtor de cobre do mundo em 2019 e comprometeram a imagem do Chile como um polo de estabilidade na América Latina. Ganhou força a ideia de escrever uma nova Constituição que enfoca os direitos sociais, o meio ambiente e a igualdade de gênero, expressando um contraste significativo com a atual Constituição de 1980, elaborada durante o apogeu de Pinochet, que privilegia os direitos privados e os fundamentos do livre mercado.

A progressista
No dia 25 de outubro de 2020, os chilenos aprovaram, por 78.28% dos votos, que o país deveria trocar sua Constituição. A primeira convenção constitucional foi dominada pelos partidos de esquerda, em um movimento que refletiu na eleição do jovem presidente Gabriel Boric, hoje impopular. O texto proposto resultou da escrita de um órgão de 154 cidadãos escolhidos por sufrágio universal, sendo a primeira vez na história do Chile que uma Constituição é redigida de forma democrática. A Constituição proposta, alvo de fortes contestações por ser demasiadamente longa, radical e esquerdista foi rejeitada por 61.87% dos votos.

O projeto fracassado definia o Estado como assistencialista, preventivo e ecológico, considerava os direitos humanos como fundamento de toda ação estatal, garantia a unidade do território nacional (com a preservação da autonomia interna dos territórios), a liberdade e a igualdade das pessoas e sua interação com a natureza, o reconhecimento da participação e da representação proporcional de mulheres, homens, diversidades e dissidências sexuais e de gênero em cargos de poder, o laicismo do Estado e o reconhecimento de todos os tipos de configurações familiares. Se aprovada, figuraria como a Constituição mais progressista do planeta.

A conservadora
O “Acordo para o Chile” foi anunciado pelo Congresso em dezembro de 2022, como uma nova tentativa de elaborar uma Constituição com normas distintas. O combinado determinou que uma equipe de 50 conselheiros constitucionais escolhidos por voto popular deveria elaborar a Constituição a partir de um pré-projeto desenvolvido por uma comissão de 24 especialistas designados pelo parlamento. Ademais, um órgão de 14 integrantes indicados pelos políticos assegurou que o texto proposto estava de acordo com os 12 princípios institucionais e essenciais descritos no acordo. Mais direitista que a atual, a Constituição proposta foi vetada no último domingo (18) por 55.76% dos votos.

Uma das finalidades da versão atualizada seria consignar o direito à vida desde a concepção, o que, segundo especialistas, poderia suscitar um questionamento das leis vigentes. Além disso, o novo projeto facultaria a deportação em “prazo mínimo” de imigrantes sem documentação, com a prerrogativa de atribuir o incremento da criminalidade a uma afluência de venezuelanos que escapam da crise econômica em sua nação. Diferente do texto anterior, o novo projeto não citava os nativos chilenos, 13% da população, nem se preocupava em assegurar direitos econômicos e sociais.

Futuro
Boric afirmou que não irá procurar uma terceira tentativa e deseja priorizar outras áreas no resto do seu mandato. A experiência prova que não se deve revolucionar aquilo que funciona. Mesmo que tenha sido outorgada de forma autoritária, a Carta Magna do país proporcionou que o Chile se tornasse a nação mais desenvolvida da América do Sul. Reformas seriam bem-vindas para se adaptar a novos tempos e necessidades, mas a forma radicalizada em que o processo foi conduzido só desperdiçou tempo e recursos.

Erik Zannon

Erik Zannon

Erik Zannon Graduando em Relações Internacionais, quinto período, Multivix

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish