Economia

Mercado de trabalho segue economia e deve perder força em 2024

Mercado de trabalho deve desacelerar em 2024, avaliam especialistas

Por Vandré Kramer

O desemprego está em queda: caiu de 8,3% em outubro de 2022 para 7,6% um ano depois. E os rendimentos do trabalho tiveram ganho real (acima da inflação) de 3,8% no período, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o cenário positivo para o mercado de trabalho pode mudar em 2024, com o desaquecimento da atividade econômica. Depois de três anos de PIB crescendo a taxas próximas de 3%, as projeções de bancos, consultorias e corretoras sinalizam para uma expansão próxima de 1,5% em 2024.

Cenário já começou a virar no mercado de trabalho
O cenário favorável para o mercado de trabalho já começou a “virar”. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), apesar de outubro ter marcado o 11° mês seguido com reajustes acima do INPC, a margem de ganhos vem diminuindo. A XP Investimentos não espera que haja aumentos significativos nos salários reais a ponto de pressionar a condução da política monetária no curto prazo.

Outro indicador que vem mostrando perda no dinamismo é o da criação líquida de postos de trabalho com carteira assinada. O País gerou 1,8 milhão de vagas entre janeiro e outubro, de acordo com dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), mas esse resultado é o mais fraco desde a pandemia da covid-19. No mesmo período de 2021, foram criados 2,8 milhões de novos empregos e em 2022, 2,3 milhões.

Também vem mostrando piora, em relação ao mesmo mês do ano passado, a taxa de participação na força de trabalho. O indicador, que mede a percentagem de pessoas em idade de trabalhar (14 anos ou mais) que estão empregadas ou em busca de trabalho, caiu de 62,6% para 61,9% entre outubro de 2022 e 2023. “Pode ser efeito do ‘turbinamento’ do Bolsa Família, que tirou a atratividade do mercado de trabalho”, diz Gabriel Fongaro, economista sênior do banco Julius Baer Brasil.

Com o fim dos efeitos do “turbinamento”, economistas ouvidos pela Gazeta do Povo acreditam que muitos beneficiários passem a buscar alternativas de colocação no mercado de trabalho, forçando a taxa de desemprego para cima. “Alguns levarão algum tempo para encontrar um emprego”, destaca a equipe de análise do banco MUFG Brasil.

Efeitos maiores a partir do segundo trimeste
A expectativa é de que o desaquecimento seja mais notado a partir do segundo trimestre. “O mercado de trabalho deve andar de lado ao longo de 2024”, diz o pesquisador Rodolpho Tobler, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Ele aponta que a duração desse ciclo de menor dinamismo no mercado de trabalho vai estar vinculada ao ritmo da queda na taxa Selic, que atualmente está em 11,75% ao ano. “Juros altos travam o emprego”, diz.

O ponto médio das projeções do boletim Focus, do BC, para o juro no fim de 2024 é de 9,25% ao ano, o que indica mais cinco cortes de meio ponto percentual. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) também não espera que o mercado de trabalho registre o mesmo desempenho de 2023. A expectativa é de menor crescimento tanto do número de pessoas ocupadas quanto da massa de rendimentos.

Essa situação pode fazer com que o consumo das famílias cresça menos no novo ano. A projeção da entidade empresarial é de uma expansão de 1,8%. Segundo Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, o crescimento do emprego vai estar mais concentrado na segunda metade do ano. “No primeiro semestre será mais deprimido e só não será tão ruim porque já passou o pior momento da situação financeira das famílias”, diz.

O CIO do banco UBS, Luciano Telo, é mais otimista em relação ao mercado de trabalho, que segundo ele deve continuar mostrando resiliência. Para o executivo, o comportamento positivo é efeito da reforma trabalhista de 2017, que flexibilizou as regras de contratação.

Obras e ano eleitoral podem impulsionar construção
Um setor em que são esperadas boas oportunidades de criação de oportunidades de trabalho é na construção civil. A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) projeta um crescimento de 1,3% no PIB setorial. Segundo Juliana Ribeiro, gerente do Page Group, uma série de fatores impulsionam a contratação de pessoal nesse setor: a queda de juros deve favorecer o segmento imobiliário e há eleições municipais em 2024, o que favorece a realização de obras de infraestrutura.

Outro estímulo às obras de infraestrutura, segundo a CBIC, pode vir do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Apesar das expectativas de um desempenho mais moderado da agropecuária em 2024, ela aponta que o setor vem passando por uma fase de profissionalização, o que tem demandado profissionais de áreas diversas como recursos humanos, finanças e suprimentos.

A especialista vê uma transformação em outra área que esteve extremamente aquecida nos últimos anos: a de tecnologia. As empresas tradicionais estão aproveitando profissionais que foram demitidos durante o enxugamento realizado pelas grandes corporações do setor. “Tem muita empresa fazendo ainda a ‘virada de chave’, de um modelo analógico para o digital”, diz.

Falta de profissionais qualificados deve persistir
Uma dificuldade que deve persistir em 2024, segundo o vice-presidente de parcerias estratégicas da recrutadora Robert Half, Alexandre Attauah, é em relação à contratação de profissionais qualificados. Oito em cada dez empresas registram esse problema. Dois terços das companhias não veem a possibilidade de mudança nesse cenário nos próximos seis meses. A recrutadora estima que a taxa de desemprego entre os profissionais qualificados esteja em torno de 3%.

Mesmo com essa baixa taxa, as possibilidades de movimentação desse perfil profissional são grandes, diz o executivo. Dois fatores podem influenciar nesta decisão: a busca por novos desafios e a insatisfação com o modelo de trabalho, já que as mudanças dos últimos anos trouxeram à tona questões relacionadas à saúde mental e ao equilíbrio entre vida profissional e pessoal.

Attuah lembra que esta última questão tem ganhado importância nos últimos meses, à medida que muitas empresas desmobilizam o home office. As principais críticas vindas das corporações são de que o modelo, bastante difundido após a pandemia, dificulta a troca de conhecimentos entre os profissionais. Também há perdas de cultura organizacional.

Por outro lado, o modelo 100% presencial desperta críticas de muitos profissionais, diz ele. Uma das justificativas, nos grandes centros urbanos, é a perda de tempo em deslocamento entre a casa e o escritório. A tendência, segundo Attauah, é a de encontrar um lugar comum. “Nos próximos anos, modelos híbridos e flexíveis de trabalho tendem a prevalecer para funções em que isso é possível”.

Fonte: Gazeta do Povo

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