Cultura

Graciliano Ramos, o escritor onipresente

Após a entrada de sua obra em domínio público com os 70 anos de sua morte, editoras relançam principais livros do autor alagoano

Por Rubem Barros

Quando faleceu, em março de 1953, o escritor alagoano Graciliano Ramos tinha 60 anos e, apesar de já reconhecido pela crítica, ainda não era o autor de grande sucesso que se tornou na década seguinte. Seu livro de maior vendagem era o romance Angústia, lançado em 1936, do qual a José Olympio Editora tirara cinco edições até então, em 1941, 1947, 1949 e 1952, além da inicial. Até ali, Vidas secas, publicado dois anos mais tarde, em 1938, valera apenas mais duas edições.
Curiosamente, Angústia havia sido impresso sem o crivo final do autor, preso pelo Estado Novo no mesmo dia em que entregara o manuscrito para datilografar. Só foi rever a própria obra depois de pronta. Obsessivo em retrabalhar o texto, chateou-se com erros e excessos. Achava que o resultado final poderia ser mais enxuto. Depois, porém, corrigiu erros, mas a obra permaneceu com a estrutura de quando chegou ao público.

E talvez o autor também não pudesse imaginar que, após sua obra entrar em domínio público, a partir de janeiro 2024, seria objeto de tantos relançamentos. Até o momento, a reportagem contabilizou seis editoras que estão trazendo novas edições de seus livros, principalmente os três mais famosos: Angústia, Vidas secas e São Bernardo, este último originalmente lançado em 1934.

Não que antes fosse um autor pouco vendido. Apenas na Record, editora que teve os direitos exclusivos sobre seus livros durante 49 anos (1975-2024), foram cinco milhões de exemplares, dos quais dois milhões apenas de Vidas secas. Este carimbou em definitivo sua condição de cânone da literatura brasileira nos anos 1960, quando passou a fazer parte das leituras obrigatórias para os exames vestibulares e ganhou uma versão cinematográfica assinada por Nelson Pereira dos Santos em 1963.

Segundo Thiago Mia Salla, um dos maiores estudiosos da obra do alagoano, durante um grande período sua casa editorial daquele momento, a Livraria Martins Editora, lançava quatro edições anuais que totalizavam 300 mil livros por ano.

Edição crítica
Para os leitores que buscam conhecimento aprofundado da obra do escritor, o trabalho feito por Thiago Mia Salla para a Todavia aparece em primeiro plano. O organizador e professor da ECA/USP pesquisa a obra do escritor alagoano desde a sua graduação, tendo realizado dois doutorados sobre ele, nas áreas de letras e ciências da comunicação, ambos na USP.

Depois de procurado por outras editoras, sua opção pela Todavia se deveu à promessa de publicação integral da obra, com a possibilidade de fazer acréscimos analíticos em muito pautados por diretrizes filológicas. “O mais comum é as editoras optarem por publicar os mais rentáveis, procurando um retorno rápido. Estamos começando por aí, com Vidas secas, Angústia e o infantil inédito Os filhos da coruja. Mas o exemplo da caixa com 26 volumes de Machado de Assis me animou a escolher a Todavia”, diz Mia Salla. Em 2025, outros três títulos devem chegar às livrarias: São Bernardo, um livro de cartas inéditas trocadas com outros escritores e intelectuais e mais um, ainda “segredo de estado”.

Sempre muito mencionado como um livro composto por pequenos contos — ou um “romance desmontável”, como o batizou Rubem Braga — Vidas secas teve efetivamente uma trajetória singular. Nasceu de um conto, Baleia, publicado em O Jornal, em 1937, mas como fruto do pedido do tradutor argentino Benjamín Garay a Graciliano antes de sua prisão (1936-1937).

Desencarcerado e sem dinheiro, o escritor ofereceu ao tradutor “uns dois ou três contos por mês” a 25 pesos por conto. Em resposta, Garay pede “coisa regional e pitoresca”. Recebe Baleia, “um negócio de bicho, de alma de bicho”, define Graciliano. A ideia evolui para uma série de contos com corte regional, mas já como embrião de um romance.

E, como se vê na cronologia levantada pelo organizador da obra, o autor publica em jornais e revistas 10 dos 13 capítulos do livro, por vezes apenas excertos dos capítulos, como foi o caso do segundo, O mundo coberto de penas. Este, por sinal quase foi o nome do romance, trocado à última hora. Antes, ainda aventou-se a hipótese de nomeá-lo Baleia, ou ainda Cardinheiras. Ao que parece, prevaleceu a sugestão do produtor editorial da José Olympio, que achava que o título tinha de se pautar pelos personagens, “que têm vidas secas”. Assim ficou. Nos capítulos prévios, toda essa história é contada em minúcias.

Importância capital
Vidas secas é um marco na literatura brasileira e na obra do autor. Como frisa o crítico Antônio Cândido, é a passagem da narrativa ficcional para a de confissão nos livros de Graça. Mia Salla realça a narrativa em 3.ª pessoa, com uso do discurso indireto livre, com poucos diálogos, com a aridez do espaço físico traduzida em aridez da fala.

As obras de Graciliano traduzem esse homem brasileiro alijado de uma vida que, urbanizada, parece prometer novo futuro para quem sai dali. A não ser que retorne, derrotado, para o chão que a muitos parece inescapável.

Fonte: Revista Educação

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