Paleo & Arqueologia

Sítio Arqueológico Mirante Novo Riachuelo: um tesouro escondido no coração da Amazônia

O longínquo distrito de Novo Riachuelo, Presidente Médici, Rondônia, esconde um patrimônio arqueológico de interesse nacional e mundial

Volta e meia a gente ouve falar sobre sítios arqueológicos e descobertas de fósseis. Mas será que a gente sabe a importância de tudo isso para o Brasil? Você sabia, por exemplo, que o solo brasileiro guarda um tesouro arqueológico incalculável? E que uma parte dessa riqueza está no solo amazônico? Pois é, no longínquo distrito de Novo Riachuelo, Presidente Médici, Rondônia, há um patrimônio arqueológico de interesse nacional e internacional. Trata-se do Sítio Arqueológico Mirante Novo Riachuelo. Descoberto na década de 80 pelo arqueólogo Eurico Miller, manteve-se incólume até ser redescoberto pela professora, historiadora e arqueóloga, Maria Coimbra de Oliveira e pelo professor José da Silva Garcia, em 2001.
Foi, então, que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) entrou na história, e fez uma proposta de parceria com o município. Em 2010, o sítio foi inaugurado pela prefeitura e pelo Iphan, com uma contrapartida técnico-financeira por parte do Iphan, e a prefeitura de Presidente Médici, com os serviços. Com o decorrer do tempo, o acordo não foi renovado, mas, mesmo assim, o Iphan é a autarquia que fiscaliza e continua suprindo com as demandas, mesmo que apenas tecnicamente.

No local, é possível vivenciar a história de perto com os grafismos rupestres bastante diversificados. Acredita-se que a área foi densamente ocupada e utilizada como refúgio e trânsito entre diferentes ambientes, segundo as teorias que apontam a região como o centro de dispersão dos povos tupis, que circulavam por todo o Brasil.

O sítio Mirante teve um período áureo quando chegou a receber grupos de até 120 pessoas por dia, do Brasil e do mundo. Ao todo, mais de duas mil pessoas passaram pelo sítio arqueológico. As visitações eram organizadas pelo museu e, lá, no distrito de Novo Riachuelo, o professor Marcelo conduzia, junto com a associação de moradores, os grupos até o local.

Nesse período, o Iphan acabou formando, de maneira informal, alguns guias que cobravam uma pequena taxa para conduzir os grupos visitantes. “Escolas do estado inteiro traziam seus alunos, arqueólogos de outros países também; vinha gente de todo lugar”, destaca Maria Coimbra.
Porém, a falta de estrutura levou à suspensão das visitas por mais de oito anos.

Professor Marcelo

As pessoas pararam de vir, não por falta de interesse do público mas, sim, pela negligência do poder público. O povo entrava em contato e o museu era obrigado a dispensar. Os arqueólogos e demais pesquisadores continuaram vindo, mas o turista, principalmente o estudantil, acredito que 95% do público eram de estudantes, de todos os níveis, do jardim de infância até a pós-graduação deixou de aparecer. E agora será preciso remar tudo de novo para trazer esse público de volta”, lamenta a professora e arqueóloga.

Professora, historiadora e arqueóloga, Maria Coimbra de Oliveira (Foto: Diana Goulart/Ascom Prefeitura de Presidente Médici)

Para reverter a situação e reativar o movimento no sítio Mirante, André Luís Barneze, secretário de Meio Ambiente, Agricultura e Turismo, tem um plano.

Como a gestão é nova, tomou posse em janeiro, a gente ainda está recebendo as informações para tentar recolocar tanto o museu quanto o parque em condições de receber as pessoas para visitação. Na questão estrutural, primeiro temos que conseguir refazer as passarelas, que são necessárias para as pessoas irem lá. Quanto à divulgação, temos como fazê-la através das mídias, buscando recursos e parcerias financeiras. Pra gente, é tudo novo. Estamos quase como os historiadores, desbravando o que tem lá. Porque pra gente também é novidade, embora a gente goste e seja entusiasta do projeto, o nosso conhecimento em relação à área ainda é limitado, mas nós vamos, através das mídias e dessas parcerias, tanto públicas quanto privadas, reerguer o parque, que é um patrimônio mundial. Como secretário, posso garantir que a gente vai fazer sim. Vamos trabalhar para divulgação e melhoria da estrutura. Precisamos estudar o passado para compreender o presente e tentar melhorar o futuro. Ali, são relíquias de gerações antepassadas que precisam de um olhar zeloso e atento do poder público”, frisa o secretário.

André Luís Barneze, secretário de Meio Ambiente, Agricultura e Turismo de Presidente Médici (Foto: Diana Goulart/Ascom Prefeitura de Presidente Médici)

Datação das figuras arqueológicas

Segundo Maria Coimbra, os desenhos não têm datação, pois não foi encontrada nenhuma pintura, nem nada orgânico que os possibilitasse datar. A professora explica que, pra conseguir determinar isso, seria preciso fazer uma escavação no entorno para descobrir algo que se remetesse a esses desenhos para fazer uma datação indireta.

Na região, nós temos datações que vão de sete mil e poucos anos até a colonização recente, na década de 1970. Eu calculo, baseada nas pesquisas que fiz, que essas figuras devam ter por volta de uns dois a três mil anos, no máximo, não são tão antigas. Cheguei a essa conclusão por um motivo, que está relacionado aos grupos tupis, pois eles tinham o hábito de fazer desenhos nas paredes externas das casas com esses motivos”, afirma a professora.

A arqueóloga ainda explica que, de acordo com a historiografia, a região do Alto e Médio rio Machado é o território de origem desses grupos. “A história mais antiga que se tem notícia dos grupos tupis, mostra que eles estavam todos reunidos aqui, nessa região. Tanto que em todas as pesquisas, que acontecem nessa localidade, só se encontram vestígios tupis. E isso é importante, porque foram eles (tupis) que conduziram toda a colonização a partir dos bandeirantes. Foram encontrados no litoral também”, relata.

Material arqueológico

Sítio Arqueológico Mirante Novo Riachuelo (Foto: Luzimara Fernandes/F&N)

Como o museu fica distante do Mirante, indagada, sobre a possibilidade e viabilidade de ter uma estrutura no sítio que abrigasse as peças encontradas no local, a arqueóloga Maria Coimbra diz que esse seria o cenário ideal, porém, seria muito dispendioso para o município, pois ele teria que ter toda uma estrutura para acondicionar esse material, de acordo com o que a legislação do Iphan pede. Além disso, seria preciso dispor de pessoal capacitado na área também. “Seria muito bom, se o município tivesse condições financeiras para isso”, diz.

Prefeito Sérgio do Skinão (PL) (Foto: Diana Goulart/Ascom Prefeitura de Presidente Médici)

Recém-empossado como prefeito e debutando na carreira política, o empresário de 40 anos, Sérgio do Skinão (PL), faz coro à Maria Coimbra e frisa que investir no campo de pesquisas arqueológicas é uma das prioridades da sua gestão e reconhece a importância para a compreensão da história, a preservação do patrimônio cultural e o desenvolvimento do ensino e da divulgação científica.

A administração anterior não tinha essa visão, da importância do museu. Fez a restauração e tudo, mas não teve a visão de investir mais, porque isso aqui é do município, é do Estado de Rondônia. Por isso, convidei a Maria Coimbra para retornar, logo que fiquei sabendo da história, da importância que isso tem para o estado de Rondônia e para Presidente Médici, principalmente, a convidei. Só estamos esperando um ajuste na aposentadoria dela para que retome as atividades que estão estagnadas”, ressalta o prefeito.

Ele explica que é possível investir sem onerar os cofres públicos, pois não se trata de um investimento alto. “O maior investimento é a dedicação de quem gosta da área e tem a vontade de transmitir o conhecimento”, exalta Sérgio.
É o que faz o professor Marcelo, responsável pelo sítio arqueológico. Embora o local esteja sem atividades atualmente, Marcelo tem se dedicado em manter a área limpa e livre de invasores para preservar as figuras rupestres. O professor é profundo conhecedor da história do lugar e também serve de guia para moradores e turistas. Ele explica o que cada figura representa e leva o visitante a um passeio emocionante ao passado. São figuras que representam os animais, os seres humanos e a geometria. Além das figuras, o local ainda guarda amoladores e polidores.

Com um local extraordinário como esse, com essa paisagem no entorno, como ainda têm pessoas que pagam caro para visitar espaços assim lá fora e que não têm o que a gente tem aqui. Para o sítio deslanchar de vez, falta um trabalho bem-feito de divulgação que mostre ao mundo o que temos aqui. Precisamos fazer um trabalho de conscientização com a nova geração. Eles precisam saber e compreender a importância de um patrimônio cultural dessa grandeza. Que cada figura retratada aqui, não são meros rabiscos em umas pedras, mas, sim, vestígios arqueológicos com uma linda história por trás”, enaltece.

Professor Marcelo, responsável pelo sítio arqueológico (Foto: Arquivo pessoal)

Museu Regional de Arqueologia de Rondônia
O Centro de Pesquisas e o Museu Regional de Arqueologia de Rondônia, foi criado em 11 de junho de 2008, a partir de uma pesquisa realizada pela arqueóloga Maria Coimbra de Oliveira e pelo professor José da Silva Garcia, que fizeram parte da instituição por um período. Hoje, Maria Coimbra está em processo de volta para as antigas atividades.

(Foto: Luzimara Fernandes/F&N)

Quando você vai realizar um trabalho arqueológico é necessário que, antes de ir a campo fazer o serviço, uma instituição de guarda dê o aval, para o caso de se encontrar algum material, essa instituição o guardará e o armazenará. Hoje, aqui em Rondônia, só tem o Museu Regional de Arqueologia dando o endosso e, como os outros estados da região não têm esses centros de apoio, esses materiais acabam vindo pra cá”, salienta a arqueóloga.

Embora, hoje, as pesquisas estejam paradas, o museu tem um histórico de projetos bons como o livro ‘Arte Rupestre em Rondônia’, de Maria Coimbra de Oliveira, foi realizado por meio de um edital da Petrobras, em 2011. A autora explana orgulhosa que a obra está em várias partes do mundo como Europa e Estados Unidos, além de várias capitais brasileiras.

“Vários museus do Brasil conhecem Presidente Médici, por causa desse livro. Para a classe científica da arqueologia, ele é uma pérola. Por muito tempo era uma incógnita por onde os tupis andavam. O Acre, comprado depois, não fazia parte desses grupos tupis, pois lá já eram outros grupos indígenas. Ninguém sabia de onde esses tupis tinham vindo e ficavam se perguntando, eram muitas teorias até que um linguista da Universidade de Brasília (UnB) chegou à conclusão de era aqui. Então, as pesquisas passaram a acontecer por aqui com Eurico Miller, na década de 80, e começou-se a verificar que realmente aqui esse povo estava”.

De acordo com Maria Coimbra, todo material que é retirado dos sítios arqueológicos tem que ir para algum lugar e vai para o museu, que recebe material de todo o estado de Rondônia e de outros da região. “Tem material lá de Roraima, já recebemos material de Mato Grosso e de outros estados da Amazônia. Por isso, o museu tem essa grande importância, não apenas para o nosso Estado, mas para toda a região. Assim, ele se torna fundamental para região toda e, historicamente falando, significativamente para o mundo inteiro. Porque, quando você vai estudar a pré-história local, a população que mais teve contato com o conquistador e, depois, em todo o período colonial e na colonização recente, foi o povo tupi”, esclarece a arqueóloga.

Com o iminente retorno de Maria Coimbra para o museu, o prefeito espera que as visitas sejam retomadas, e com muito sucesso, pois ter uma profissional capacitada como ela faz toda a diferença. “As pessoas vêm e visitam o museu, conhece toda a história e vai ao sítio arqueológico fazer a visita e conhecer a área, mas a história mesmo fica toda dentro do museu, que conta com um acervo riquíssimo de aproximadamente 300 mil peças, como fragmentos de cerâmica e carvão com mais de sete mil anos de existência, além de fotos de sítios da região toda. Se tiver uma pessoa qualificada como a Maria, que vai explicar em que ano tal coisa foi descoberta; o que é… isso faz toda a diferença”, afirma o prefeito.
Maria concorda e acrescenta. “Na arqueologia, o principal é a educação patrimonial. Se você não conseguir levar oficinas pra lá, para ajuntar a comunidade, ela nunca vai entender. Ela vai saber que, de alguma forma, é importante porque a lei exige. Mas não vai saber culturalmente porque aquilo é importante, não vai estar internalizado nela. Vai achar que o acervo não passa de um monte de pedra”.

O prefeito completa mostrando a importância de se ter uma pessoa capacitada e expert no assunto para mostrar o lado educacional e cultural. “Se não tiver quem explique, a criança vai chegar em casa e dizer ‘ah, pai, visitei o museu e tem um monte de pedra lá’. Morreu o assunto. Agora, se tem alguém especializado que conte e explique a história, a criança vai ter outro entendimento. ‘Pai, você acredita que aqui já teve um povo tal, em tal ano, que vivia assim e tal?’. Isso é interessante!”, ressalta.

Maria Coimbra explica que, quando um gestor público tem interesse, com uma boa administração é possível angariar recursos, pois o próprio museu tem como fazer isso com parcerias público-privadas. Segundo a professora, ao todo são 21 sítios na região limítrofe de Presidente Médici, Ministro Andreazza e Ji-Paraná. Os mais acessíveis estão em Presidente Médici.

Serviço
Centro de Pesquisas e Museu Regional de Arqueologia de Rondônia
Funciona de segunda a sexta, das 07h30 às 13h30
Agendamentos consultar através do telefone: (69) 3471-2892

Serviço
Sítio Arqueológico Mirante Novo Riachuelo
Agendamento de visitas pode ser feito pelo telefone: (69) 99246-8389 (prof.º Marcelo)
Segunda a sexta, das 07h30 às 13h30
Entrada gratuita: escolas
*Outras instituições pode haver cobrança de uma pequena taxa

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