A massa

As suas mãos calejadas sovavam a massa, amolgando o trigo da vida devagar e silenciosamente. Os seus dedos eram ágeis e faziam mil giros como quem sabe o que faz de verdade. E, assim, em sua mesa, as iguarias do mundo eram misturadas com afinco e maestria. O seu semblante era ameno e suave e o seu rosto arredondado esperava o tempo passar sem pressa ou qualquer tipo de afetação. Sem perceber, ela preparava o pão material, além de outras mil delícias sem conta.
Pacientemente, ela deixava o fermento místico fazer o seu papel no espírito que a animava. Numa rotina solene, passo a passo, ela seguia firme em plena abstração do mundo que lá fora explodia. Como num ritual religioso, ato a ato, ela manuseava, feliz, os alimentos como ninguém, sem se importar com a vida que lá fora jazia desesperada.
Totalmente alheia ao barulho do mundo, ela andava focada somente no seu ofício. Vivia leve e distraída como uma pluma, sem ocupar-se de ira ou prazeres mundanos, promessas, preocupações ou grandes expectativas, sem medos ou ansiedades, sem vaidades tolas ou ilusões do mundo contemporâneo. Nesta toada caseira, ela calçava sempre as mesmas sandálias da humildade e vestia o mesmo longo avental branco sujo de molho que nunca descansava.
Os seus cabelos eram belos e loiros, apesar de desgrenhados. Já os seus olhos eram azuis de tom escarlate. Duas bolas redondas bonitas que saltavam da cara, carregadas de força, de fé e de esperança, atributos estranhos para esta época e que ela tirava não se sabe de onde. Eram feitos dois faróis a iluminar a velha cozinha da casa antiga de madeira. Ela era uma figura baixa e arredondada que vivia assoviando e sempre ocupada. E os seus olhos eram tão bonitos e expressivos que mesmo sem dizer nada muito falavam.