As aparências enganam, um serial estuprador — Parte I

Sabemos que esses tipos são meticulosamente cuidadosos em não deixar vestígios. Os crimes sexuais contra vulneráveis são crimes quase perfeitos
Eles são vários. Estão por toda parte. Desafiam nossa capacidade de avaliação do caráter do outro. E nos ganham com facilidade nesse desafio. Este, em pauta, era um professor de Direito de Universidade Pública, professor e coordenador de Instituição de Ensino do Ministério Público, na graduação e no mestrado. Ocupava o cargo mais alto de um Instituto Nacional de Defesa de Direitos no seu Estado, tinha retórica feminista, mas desde que a mulher que defendia como pessoa que tem que ter autonomia de seus desejos, não tivesse a ousadia de denunciar um homem por violência doméstica ou abuso sexual intrafamiliar.
Esse referido advogado, tido como autoridade jurídica pela sua produção autoral — assinando 18 livros e diversos artigos sobre Direito de Família — era, na verdade, um serial estuprador e a legitimação contínua, realizada pelo Tribunal de Justiça de seu Estado, permitiu que ele executasse seu ocultismo predador, por, pelo menos 12 anos.
A primeira denúncia de estupro foi anônima, a Polícia se debruçou e, logo eram quatro, depois seis vítimas; elas não se conheciam. Muitas, alunas do professor famoso e reverenciado, mas contavam as violências sexuais de maneira muito parecida. A notícia vazou, os vazamentos são providenciais porque o “segredo de justiça”, longe de preservar a vítima, protege, especialmente, o agressor, que sabe bem quem vitimou, e segue oculto nos trilhos da indulgência judicial. As mulheres são todas loucas, rancorosas e portadoras de um buquê de diagnósticos, mesmo que incompatíveis entre si. Portanto, o segredo de justiça beneficia o predador, e torna a vítima mais vulnerável, porquanto instiga o ódio do predador. E não há nenhuma garantia de proteção por Medida Protetiva de Urgência (MPU), porque não são respeitadas. Quantos Feminicídios são cometidos na vigência de MPU!

Com o vazamento o número de vítimas dobrou. E não para de crescer. Somam 12 vítimas agora, enquanto estou escrevendo. Quando este artigo chegar no público, tenho certeza que já terão aparecido mais mulheres/meninas que, dopadas, foram estupradas com uma violência estúpida. No Poder de um corpo inerte, um pedaço de carne que não consegue nem dizer que não é não, o moço de rosto angelical se travestia em criatura subanimal, para depois dos crimes se reformatar em “humano”, rearrumando em sua dissimulação de professor. Usava a hierarquia misturada à enorme sedução para obter o domínio absoluto do seu abate.
Necessário se faz nesse ponto, trazer o forte indício de uma tendência a práticas de necrofilia. Enorme a proximidade. Ao dopar fortemente a menina/mulher o predador passava a manipular uma espécie de pré-cadáver. Uma experiência sexual violenta necrófila, que, ao final do efeito dos medicamentos administrados, ainda lhe rendia a sensação prazerosa e poderosa de ressuscitação daquele corpo saído da morte. As marcas, hematomas, lacerações, impressões de esganamento, estão impressas por todo o corpo, mas o medo, o pavor, a intimidação, paralisam e paralisaram essas vítimas. Para elas, restou o silêncio, o quadro de estresse pós-traumático, os sintomas decorrentes das fobias instaladas pelos traumas, a falência social e afetiva permanente, e, certamente, algumas delas nunca, nunca, vão se pronunciar. Essa caixa-preta ficará trancada para sempre.
O predador em série mantinha um ritual macabro repetitivo, que faria inveja até ao Marquês de Sade. Com intenso poder de sedução e de persuasão, expert em dissimulação, de fala mansa, delicada, mas retilínea na entonação, ele estava exposto aos pares, e ao entorno social. Curioso que ninguém nunca tenha percebido nem mesmo essa característica, a fala monocórdica. Onde fica a emoção? O hipercontrole assumia sempre sua comunicação.
De retórica, enganosamente, feminista, defende a autonomia de desejo da mulher, mas radical defensor da lei de alienação parental que promove a Privação Materna Judicial, retirando a criança do convívio com a mãe e a entregando ao genitor abusador ou violento, esse advogado defendia a manutenção do convívio e da guarda compartilhada quando os genitores forem, comprovadamente, agressores, apoiando-se apenas em ausência de conhecimento do que prejudica uma criança. A negação da Ciência está traduzida em uma frase sua: “a Ciência é um diálogo”. Então, é negociada?
Mas, não vamos falar de pontos que poderiam ter sido considerados para compreensão dessa criatura que vivia com um clone, diametralmente, oposto. Sabemos que esses tipos são meticulosamente cuidadosos em não deixar vestígios. Os abusadores de crianças são assim. Os crimes sexuais contra vulneráveis são crimes quase perfeitos.

No entanto, me chamou a atenção a fala de uma menina/mulher que disse ter falado, ter pedido ajuda várias, várias vezes, e não foi escutada. E completou que pediu ajuda para essas pessoas que estão protegendo o serial estuprador agora. Já o estavam protegendo. A cumplicidade entre poderosos anula qualquer esboço de valores humanos.
Cabe aqui um questionamento sobre a excelente Lei Maria da Penha que contempla cinco formas de violência contra a mulher. Uma delas, a violência psicológica. Mas como sonhar com uma legislação sobre essa violência que causa danos severos, dá lastro à tortura psicológica, quando diante desse caso, por exemplo, vamos ver essas 12 meninas/mulheres serem descredibilizadas, serem tachadas como loucas e mais um monte de diagnósticos psiquiátricos sem fundamentação de avaliação por profissional gabaritado? Pois esses diagnósticos são dados por pessoas sem formação competente. Será que a palavra dessas vítimas, e das outras que ainda virão, será considerada?
Enquanto as vítimas são, frequentemente, desacreditadas, lembremos da Mariana Ferrer, da escritora Helena Lahis, e tantas outras, um juiz escreve: “olhei bem nos olhinhos dele e vi que era uma pessoa ilibada, a psicóloga da criança deve ser cassada pelo seu Conselho porque acreditou no menino. Não houve abuso sexual”. Como?