Cultura

Fogo

Em um prédio luxuoso, uma jovem dormia o sono dos justos. Vivia com uma família que não a pertencia, mas os seus serviços eram válidos e sua gratidão considerável. No meio da madrugada, quando o silêncio prevalecia nas ruas da capital, um sonho sorrateiro se aproximou e tocou a ingenuidade da sua mente.
Por um caminho estreito, ela caminhou por uma longa distância. Não havia asfalto, nem grama, não havia pasto, nem urbanização, apenas terra seca e árida. O caminho era longo e ela não compreendia o propósito de seguir, parar ou retornar. Nada fazia sentido, contudo, a sua consciência sabia que aquela realidade não era a sua. No meio do nada, ela decidiu parar, sabia que algo estava para acontecer. Inesperadamente, diante dos seus olhos, surgiu uma menina, mais nova do que ela, com um vestido branco e comprido, seu rosto era pálido e seu semblante mórbido, porém familiar. Ela caminhava em sua direção como se já se conhecessem.

Uma brisa suave elevou a terra seca e os olhos da jovem se irritaram com a poeira. Porém, ela resolveu permanecer imóvel, esperando que a menina se aproximasse ainda mais. Não havia nada ao redor, a não ser o chão abaixo dos seus pés. Assim que ambas se encontraram, o tempo parou e os olhares se cruzaram sem temor.

— Não seja fogo amanhã. — disse a menina ao sussurrar no ouvido da jovem.
Um calafrio gélido a possuiu, ela piscou fortemente os seus olhos. Compreendeu que a menina havia desaparecido assim que passou pela sua presença. Em pânico, ela ordenou à sua mente que despertasse. Quando acordou, ouviu uma sirene soar pela vizinhança. A frase ecoava para ela como se aquela menina ainda estivesse passando: não seja fogo amanhã.

O sol despontou na linha do horizonte de maneira sutil, a jovem já estava de pé realizando alguns afazeres. A mesa do café foi posta para os anfitriões da casa. Após o desjejum, todos se levantaram e saíram para os seus afazeres. A sua patroa, uma jovem senhora, solicitou que ela encerasse o piso naquela manhã.
Sem questionar, assim que a patroa saiu, a jovem foi para o fogão derreter a cera. Contudo, quando ela acendeu o fogo, recordou-se do sonho: não seja fogo amanhã. Assustada, ela se afastou do fogão, no entanto, a cera começou a queimar em uma labareda hostil. Um pouco de cera quente respingou em sua roupa. Desesperada, a jovem correu para debaixo da mesa, o fogo se espalhou rapidamente pela cozinha. O alarme de incêndio foi acionado. Em seus olhos assustados, a imagem da menina estava nítida dentro da maior chama de fogo, olhando fixamente para ela.

A porta da sala foi arrombada pelo porteiro e alguns homens entraram com extintores de incêndio. Eles conseguiram conter o fogo ainda na cozinha e encontraram a jovem desmaiada debaixo da mesa. Ela foi levada ao hospital, não houve ferimentos graves. Assim que a patroa soube do ocorrido, foi ao encontro da jovem no hospital. Ao chegar no quarto para vê-la, notou nela um olhar distante e vazio.

— Como você está? Graças a Deus, nada de grave aconteceu.
A jovem olhou para a senhora e disse, sem demonstrar emoções.
— A menina me avisou: não seja fogo amanhã. Ah, senhora, eu só preciso acordar!

Autora: Silvia Vanderss
Conto: Fogo
Inédito
Palavras: 544

Silvia Vanderss

Silvia Vanderss

Autora capixaba, com formação em Administração e Letras Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia Blog literário: www.silviavanderss.com.br

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