Um paraíso no Brasil que (talvez) você ainda não conheça
Parque estadual repleto de biodiversidade na maior região de savana da América do Sul ostenta nascentes, dunas de areia e cachoeiras impressionantes
Nadar em um fervedouro é como boiar em uma piscina de champanhe — a água de um rio subterrâneo borbulha através de uma ruptura no solo, levantando areia clara e fina. Embora seja chamado de fervedouro, suas águas não são quentes.
Localizadas em meio à topografia seca do Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins, essas piscinas calmas e de águas cristalinas são, na realidade, nascentes cársicas. Mas a aparência única dos fervedouros é diferente de todas as nascentes do tipo no mundo.
O parque foi criado em 2001 e ocupa uma área de aproximadamente 161 mil hectares em uma região remota do norte do Cerrado, a maior região de savana da América do Sul, que separa a Amazônia da Mata Atlântica. Para chegar ao Jalapão, os turistas devem viajar até Palmas, capital do Tocantins e, em seguida, pegar estradas de terra por cinco a seis horas na direção leste.
A dificuldade de acesso manteve o Jalapão desconhecido — até a estreia de O Outro Lado do Paraíso, novela das nove, exibida entre 2017 e 2018, que utilizou o parque como cenário para os triângulos amorosos e disputas por terras de seus personagens. A novela triplicou o turismo na região quase que de um dia para o outro.
O público brasileiro foi especialmente cativado pelas imagens dos raros fervedouros. Visitantes boiando em meio a um fluxo constante de águas límpidas, com vegetação tropical fazendo sombra. Muitos turistas nunca foram além dessas atrações, mas há muito mais no parque, incluindo cachoeiras de águas transparentes e dunas de areia dourada.
Protegendo a biodiversidade do ponto turístico
De acordo com dados sobre o turismo no Tocantins, entre 2015 e 2019 o número de visitantes nas dunas do parque aumentou mais de 200%, chegando a 33,6 mil turistas em 2019, a maioria deles brasileiros. Antes da pandemia do coronavírus, dólares movimentavam as regiões próximas ao parque pela primeira vez e, novos negócios, como operadores de turismo e hotéis, foram abertos nas cidades vizinhas de São Félix e Mateiros.
Após o governador do Tocantins fechar todos os parques em março, o Jalapão reabriu em outubro com a notícia de que novos investimentos possibilitariam a pavimentação de 50 quilômetros de estrada entre as cidades de Ponte Alta e São Félix. No entanto, mesmo quando a nova estrada for construída, a maior parte do parque, provavelmente, permanecerá um destino selvagem e de difícil acesso — como dizem os locais: o Jalapão é bruto.
Para os turistas, as condições ruins das estradas são um inconveniente, mas para os moradores do parque — uma comunidade quilombola descendente de negros escravizados que escaparam e se estabeleceram por todo o interior do Brasil — as estradas irregulares dificultam a viagem até Palmas, onde acessam serviços de saúde. Conforme o turismo cresce, algumas pessoas pressionam para que o governo pavimente os acessos principais, enquanto outras se preocupam com os impactos que novas estradas podem trazer à frágil ecologia do parque.
Entre 2005 e 2008, Mariana Napolitano, gerente de ciências da World Wildlife Fund (WWF) Brasil, trabalhou em colaboração com o governo para determinar a capacidade de turismo do parque e levantou preocupações sobre os impactos do asfalto na vida selvagem da região, como o lobo-guará, ameaçado de extinção, o raro pato-mergulhão brasileiro, com menos de 250 indivíduos no mundo, e novas espécies que ainda não foram descobertas.
“A estrada [atual] exige que os carros andem mais devagar. Então, os animais têm tempo suficiente para evitá-los. Mas se a estrada for pavimentada, os motoristas dirigiriam em altas velocidades”, diz Napolitano.
Marcello Coelho, guia de turismo no Tocantins, se preocupa com os fervedouros, que, segundo ele, exigem mais supervisão do governo. Cada grupo tem um limite de permanência de 20 minutos em cada nascente. Avisos proíbem o uso de protetor solar antes de entrar na água. Mas Coelho diz que “o ambiente natural, especialmente os fervedouros, está sofrendo com a presença humana e precisa de tempo para se recuperar”.
O crescimento do turismo beneficiou economicamente a região, gerou empregos e aumentou a receita dos negócios que atuam no parque, em sua maioria, de propriedade dos moradores locais. E, embora muitos queiram que limites rígidos sejam estabelecidos durante esse período sensível de crescimento, outros, como Anna Carolina Lobo, especialista em gestão de turismo e meio ambiente na WWF, acreditam que o momento é uma oportunidade.
O Cerrado abrange quase um quarto do território brasileiro e possui uma biodiversidade extraordinária, mas está cada vez mais ameaçado pelo desmatamento devido ao constante avanço do cultivo de soja e da pecuária. Mais de 100 mil quilômetros quadrados foram destruídos apenas na última década.
Menos de 3% do Cerrado estão sob proteção legal, mas Lobo espera que o crescimento do turismo em parques como o Jalapão possa ajudar a aumentar a conscientização sobre o Cerrado entre turistas brasileiros, que poderiam defender a preservação da vida selvagem no País.
Apesar dos 150 milhões de hectares de terra protegida no Brasil, os brasileiros nunca tiveram uma cultura de férias que envolvesse destinos mais rústicos. Mas quando ficam sabendo de outras pessoas que visitaram o local — contando histórias sobre araras selvagens, cachoeiras azuis e planaltos majestosos — a beleza intocada do interior do Brasil torna-se um pouco mais compreendida e muito mais intrigante.
Com a reabertura do parque e o anúncio de novos investimentos em estradas e outras infraestruturas turísticas, espera-se que o Jalapão se torne um cartão-postal do Tocantins, assim como todo o Cerrado, trazendo uma nova conscientização para uma região há tempos ofuscada pelo ecossistema bem mais úmido da Floresta Amazônica.
Jamie Ditaranto é jornalista e fotógrafa nômade e escreve sobre tendências de viagem e sustentabilidade. Siga-a no Instagram e no Twitter.
Fonte: National Geographic Brasil