Precisamos falar sobre Moïse e Henry — Parte VII
Ter leis não é suficiente quando se tem a cobertura do “segredo de justiça” pela própria vulnerabilidade da Criança, tudo sustentado pela Cultura da Desimportância dos pequenos
Quando, no artigo anterior dessa série, elenquei as instituições Internacionais e as Nacionais que já se posicionaram ao lado da Criança e da Mulher, cometi um lapso ao não incluir algumas Instituições e Tratados, aos quais somos signatários. O Conselho Nacional de Saúde (CNS) em sua Recomendação 003, a Lei 13.431/2017, assim como o Instituto Maria da Penha e a Secretaria da Mulher na Câmara, incansáveis, são dois lugares que têm dado assistência às Vítimas de Violência, sob todas as suas formas.
A agressividade é constitutiva da mente humana que emite ordens de movimento de defesa ou de ataque para o corpo executar. Quando nascemos, é a agressividade que garante o primeiro movimento que inaugura a respiração pulmonar, e choramos de raiva. O volume de decibéis desse choro é indicativo da força que estamos fazendo, e da potencial força que teremos ao longo da vida para ser usada quando se fizer necessário.
A raiva, enquanto expressão de agressividade, é saudável. O ódio, não. No entanto, assistimos hoje à recriminação total da raiva, como se fosse apenas negativa, retirando dessa fonte de energia de vida o seu papel que exerce ao longo da vida.
Assim, uma mãe que manifesta sua raiva, suas raivas, por ser espancada pelo marido, inclusive na frente das crianças, ou ao constatar que o pai vem abusando sexualmente de um filho ou uma filha, é definida por psicólogos e operadores de justiça como descontrolada, narcisista, portadora de doença mental. E lhe é exigido que se relacione, amigavelmente, com o ex-marido, mesmo que tenha recebido uma Medida Protetiva pela Lei Maria da Penha. Obrigada a se submeter a técnicas de mediação, e de cunho esotérico que desresponsabiliza o autor das agressões físicas e sexuais, a dita “alienadora”, que recebe essa alcunha por ter denunciado um homem com quem formava uma família, é assolada por uma avalanche de processos infindáveis, por toda a infância de sua Criança. Vale ressaltar que essa avalanche é movida por litigância sequencial, enquanto o processo criminal pelos crimes de violência doméstica e abuso sexual, é, precocemente, arquivado.
Leis, Convenções Internacionais e Recomendações de Instituições de Proteção à Criança, não têm impedido a avassaladora violação de Direitos Fundamentais, violação que cobrará em sequelas em adultos, mutilados sociais, resultantes desse holocausto disfarçado em invisibilidade. A Convenção de Haia, por exemplo, veio para garantir a permanência e retorno da Criança em seu país de residência habitual. Mas a Convenção de Haia dá espaço para a exceção em seu art.13, atendendo e cuidando das crianças que sofrem maus-tratos, negligência, abuso sexual, e todas as formas de violência, por parte do genitor estrangeiro. Contudo, há mais de duas mil mães que tiveram seus filhos repatriados e são ou serão acusadas de “sequestro internacional de criança”. O crime delas foi voltar para sua pátria, nosso país, para colocar a salvo sua criança, vítima de violência física ou sexual. A Exceção se torna uma negociação política, com ameaças comerciais. E a criança é repatriada, entregue ao pai estrangeiro, enquanto a mãe é banida e proibida de entrar no país onde morava e teve o filho da união com um estrangeiro. A criança importa menos que containers de laranjas. Infelizmente.
Ter leis não é suficiente quando se tem a cobertura do “segredo de justiça” pela própria vulnerabilidade da Criança, tudo sustentado pela Cultura da Desimportância dos pequenos. Parece não haver vontade política, ou haver uma vontade política escusa que se alastra com a permissividade da inércia e da omissão de muitos. Quando se tem um agressor e um agredido, ficar neutro é reforçar o agressor e abandonar o agredido. Que seja por identificação com o agressor, ou por medo desse agressor.
Executar o afastamento judicial da mãe de uma Criança, tão usual hoje que atinge até os bebês em amamentação materna, tem consequências desastrosas. Para uma Criança ter e viver uma ausência da mãe em todas as ocasiões em que as outras Crianças estão com suas mães, causa danos irreversíveis porque a Criança ainda não tem os recursos necessários para fazer frente e suportar o olhar de recriminação, as palavras maliciosas, a exclusão praticada pela imaturidade das outras Crianças do seu entorno. A vergonha que se abate sobre a Criança ao ser exposta pela ausência continuada da mãe, é corrosiva para a mente em crescimento. Essa ausência é sentida pela Criança como sendo uma culpa dela, um defeito seu, uma vivência de menos valia que trará muitos buracos em sua autoestima. Pensar o que as pessoas estão pensando sobre ela e sobre sua mãe é tarefa inglória que acaba por retirá-la da realidade que está acontecendo e jogando a Criança para o isolamento.
Sequenciamos vários temas que estão implicados nos episódios de massacre que vitimaram Moïse e Henry, assim como Joanna, Bernardo, João Victor, Isabella, e tantas outras Crianças. Vozes do além são mais audíveis e críveis que as vozes das Crianças quando relatam abusos sexuais intrafamiliares.
As Crianças desrespeitadas na guerra de lama, na guerra dos mísseis, na guerra dos tiroteios entre bandidos e policiais ou bandidos e bandidos, ou nas guerras intrafamiliares que usam e exploram seus pequenos corpos sem atrativos de sensualidade, mas alvos do prazer de torturar pelo prazer da sensação secreta de Poder. A inexistência de Políticas Públicas consistentes, consequentes, e continuadas, que fundem uma Cultura do Cuidado.
Está pautada para algumas horas a votação no Senado de um PL, o 7352/2017, que continua defendendo a falácia dogmática da alienação parental, alegação usada para encobrir abusos sexuais e violência doméstica, além de negligência, de mentiras, de abandono, e que causa tanta dor e adoecimento mental. Mais uma armadilha que enganou até mães já calejadas pelos horrores dessa lei. Por que estamos insistindo na exposição de nossas Crianças a horrores? In dúbio, por que não favorece a Criança? Será que ninguém sabe o que quer dizer vulnerabilidade? A quem estamos servindo?
No próximo artigo, abordaremos a questão da perversidade de profissionais que são pagos pelo dinheiro público para fazer valer a Proteção Integral da Criança, mas vivem a serviço do esmagamento da Criança, usando o conhecimento em desvio de seu propósito ou arremedos de retalhos mal costurados de conhecimento para torturar e aniquilar as Crianças.