“Supersalários”: só 1% da população tem renda igual ou superior ao teto do funcionalismo
Auxílios classificados como indenizatórios, pagos por fora do teto do funcionalismo, permitem a ocorrência dos chamados “supersalários”. Prática é mais comum no Poder Judiciário
Por Roberta Ribeiro
Apenas 1% da população brasileira tem renda equivalente ou superior ao teto do funcionalismo público, segundo nota técnica do Centro de Liderança Pública (CLP). Hoje o limite salarial no setor público — correspondente ao salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) — é de R$ 44 mil, cerca de 29 salários mínimos. O valor subirá para R$ 46,3 mil em fevereiro.
O estudo, de autoria de Daniel Duque, gerente da Inteligência Técnica do CLP, se baseou em dados da Receita Federal. Segundo a nota, entre 2017 e 2018 0,8% dos adultos brasileiros tinham rendimentos equivalentes ou maiores que o teto do funcionalismo. O porcentual baixou para 0,6% em 2019 e foi a 1% em 2022.
Na prática, isso significa que aqueles que recebem em torno do teto remuneratório do setor público se inserem, de modo consistente, entre o 1% mais rico do país, reforçando a exclusividade desse estrato salarial”, traz a nota.
Segundo apurado pelo pesquisador, a tendência geral foi de aumento “robusto nos valores máximos da remuneração no setor público”, que, em certos momentos, ultrapassou a inflação. A exceção foi o período da covid-19. Por outro lado, os salários do setor privado enfrentaram reduções reais no intervalo entre 2010 e 2025.
A nota afirma que, embora o teto do funcionalismo tenha sofrido uma certa defasagem entre 2019 e 2022, “continuou representando uma parcela significativa em comparação ao patamar de renda dos brasileiros no topo da pirâmide”. Os dados demonstram que o teto da remuneração do setor público foi superior ao dobro da renda tributável bruta média dos 5% mais ricos do país.
Em síntese, mesmo com as oscilações de poder aquisitivo, o teto do funcionalismo permanece em um nível significativamente superior à renda média dos maiores contribuintes, reforçando seu caráter privilegiado no conjunto dos rendimentos no país”, afirma Duque no texto.
Após pressão de Judiciário e MP, Congresso desidratou medida para combater “supersalários”
Apesar do nome, o teto salarial do funcionalismo é ultrapassado com frequência, uma vez que verbas classificadas de “indenizatórias” podem ser pagas além desse limite. Segundo o economista Bruno Carazza, a prática é mais comum no Poder Judiciário: 93% dos magistrados e 91,5% dos promotores e procuradores do Ministério Público tiveram direito a benefícios extrateto em 2023, conforme levantamento publicado no mês passado.
Na nota do CLP, Duque cita como exemplo um outro levantamento, do Tribunal de Contas de Minas Gerais, segundo o qual apenas 3% dos contracheques de magistrados do estado ficaram dentro de teto de R$ 44 mil brutos em 2024. Os outros 97% ultrapassaram o valor devido a “penduricalhos” — que são isentos de taxação pelo IRPF.
Os rendimentos extras se devem a pagamentos indenizatórios, verbas complementares e vantagens eventuais que não são contabilizadas no teto constitucional e se somam a férias não tiradas. Em dezembro do ano passado, o Congresso aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2024, apresentada pelo governo como parte do pacote de corte de gastos, que incluía uma norma para limitar o pagamento dos chamados “supersalários”. A PEC foi convertida na Emenda Constitucional (EC) 135.
No entanto, uma mudança feita na PEC pelo relator na Câmara, deputado Moses Rodrigues (União-CE), abriu brecha para que órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) possam criar e chancelar auxílios para o Judiciário sem aval do Congresso. O texto original da PEC dizia que só poderiam ser pagos por fora do teto as parcelas expressamente previstas em lei complementar, que exige quórum mais alto para ser aprovada.
Após a mudança feita na Câmara, e chancelada depois pelo Senado, a nova emenda constitucional estabelece que exceções ao teto podem ser abertas via lei ordinária e, na interpretação corrente do Judiciário, resoluções do CNJ e do CNMP têm força de lei, mesmo que não passem pelo Congresso. São resoluções como essas que hoje autorizam o pagamento de vários auxílios acima do teto do funcionalismo.
De acordo com Duque, a nova regra inscrita na Emenda Constitucional 135 “arrisca consolidar a prática de remunerações muito acima do limite constitucional de R$ 44 mil”.
Se a intenção era barrar a criatividade contábil que justifica benefícios como ‘indenizações’ e ‘auxílios’ para burlar o teto, as mudanças acabaram por criar brechas ainda maiores”, afirma.
A solução, segundo o pesquisador, é retomar o debate e fortalecer dispositivos que assegurem uniformidade e transparência. Caso contrário, se verá a manutenção do cenário atual onde “remunerações milionárias continuam a aparecer nos contracheques de determinadas categorias, em claro desrespeito ao teto constitucional”.
Fonte: Gazeta do Povo