Bem-estar

A linguagem da criança e a cultura da humanidade

A comunicação verbal, por qualquer via, é um operação de alta complexidade. Para que ela aconteça a contento, é preciso que estas necessidades de obediência a regras sejam cumpridas

A aquisição da linguagem confere ao filhote humano a possibilidade de construir a cultura. A linguagem, que se inicia na rudimentar emissão de fonemas, que apenas se aproximam de palavras do mundo imediato da criança, vai se tornando cada vez mais complexa. O mundo imediato da criança é um mundo concreto, um mundo da experiência que ela vivencia. Isto está sintonizado com o desenvolvimento cognitivo, a maturação neural, a progressão das palavras, as afetivas, as mais familiares, dos verbos de ação, das frases simples e nos tempos do presente. E, passando das palavras e frases faladas para a leitura e a escrita destas palavras, a criança vai conquistando espaços linguísticos, mas durante toda a infância esta aquisição continua muito atrelada ao raciocínio concreto, seguindo as fases cognitivas no sentido do funcionamento do pensamento abstrato.
Passar da linguagem descritiva do mundo ao redor para uma linguagem criativa, imaginativa, que, se libertando da realidade imediata, é capaz de nos conduzir a mundos internos ilimitados. As imagens literárias, as construções poéticas, falam do impossível, da leveza, da dor, do amor, em verdadeiros quadros de arte, de uma beleza irretocável. Mas, para chegar a estas figuras literárias, libertárias, precisamos considerar um árduo caminho de aquisição de regras rigorosas, que a criança começou a aprender com a autoexigência da pronúncia cada vez mais correta, numa área linguística ainda restrita. A meta nesta fase é saber o que significa, para depois se atribuir outro significado poético.
As canções, infantis que crescem a chegam às preferências adolescentes para alcançar a ampliação musical de escolha na vida adulta, percorrem caminhos melodiosos, da curiosidade pela rima àquela nota única em que se encerra uma ária clássica.
A comunicação verbal, por qualquer via, é um operação de alta complexidade. Para que ela aconteça a contento, é preciso que estas necessidades de obediência a regras sejam cumpridas. Se é difícil articular todos os fonemas aos oito meses, é igualmente difícil orquestrar significados, sintaxe e criatividade, tudo junto, e ser preciso ou se criar um encantamento.
No entanto, falhas e carências neste processo de aquisição do domínio da linguagem, podem comprometer a qualidade da comunicação. Começando pela pobreza linguística do ambiente, pelas falhas gramaticais deste ambiente familiar e social, ou a ausência de conversação e de leitura no ambiente, estes itens bloqueiam a linha de crescimento. Hoje, é muito frequente que a manipulação dos aparelhos digitais, tão restritos na linguagem, que silêncios reinem no tempo que poderia ser dedicado à conversação. Assim, também, inventar códigos linguísticos para se comunicar com uma criança, oprimi-la, ocultando e dissimulando a intenção do real significado do conjunto de palavras.
Apesar de parecer, superficialmente, uma aquisição compulsória, a linguagem diz respeito à objetividade, mas, sobretudo, a mais profunda subjetividade.

Crianças e música (Foto: musicalizacaoparaprofessores.blogspot.com)
Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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