Comportamento & Equilíbrio

E o adolescente? Momento da mistura da liberdade e dependência — Parte II

Difícil administrar as ricas contradições. Agitação, seguida por sonos longos. Instabilidade e isolamentos, em sequência. Medos e desafios que se misturam. O adolescente vive contradições constantes. Seu impulso para a transgressão é decorrente da necessidade de rompimento com a infância, suas regras, sua dependência das figuras de autoridade. Alcançou uma autonomia de mobilidade que não tinha. Anda sem acompanhante/mãe para os lugares. Esta expansão deve ser bem combinada: deve sim ter horários de volta, dar notícias quando vai demorar mais, sem, contudo, perder sua privacidade crescente. Esta é uma negociação difícil, mas não impossível. E sua importância está na sensação de que alguém se importa e cuida dele, mesmo que neste novo formato de cuidado mais distanciado. É preciso não esquecer que, mesmo “sabendo tudo”, “podendo tudo”, como se imagina, o adolescente continua, até os 18 anos, carregando a responsabilidade de seus atos para os pais e responsáveis.
Os medos são muitos. Mas o medo do futuro talvez seja o maior deles. Será que o nariz vai ficar grande num rosto que ainda não cresceu, ou o tamanho das mamas que também ainda não têm o espaço necessário para se acomodar na roupa de menina, e provocam vergonha? Por mais que tente, o adolescente sabe que não domina tudo que quer parecer dominar.

Pai e filho adolescente (Foto: Pinterest)

Mas, apesar destes medos e inseguranças que esconde todo o tempo, o adolescente é muito atraído pela adrenalina dos desafios. E, um dos principais é o desafiar o próprio corpo e seus limites. É neste momento que enfrenta as ondas do mar, ou os quase impossíveis equilíbrios dos malabarismos sobre rodinhas. Surfe ou skate, desafiar leis da natureza, como se a dominasse, é a recompensa de onipotência que tanto necessita. Muitas vezes, é o comportamento de risco que aparece com muita força. Testar, provocar e transgredir seus limites. A busca dos desafios, principalmente estes corporais, tem como objetivo receber a dose de adrenalina que alimenta este narcisismo subjetivo, quase secreto.
Esta fase, além da revolução hormonal, traz uma mudança qualitativa do desenvolvimento cognitivo. O raciocínio concreto, dependente da experiência perceptiva, vai dando lugar à nova maneira de pensar, a abstração. O raciocínio abstrato vai sendo habilitado. Gradualmente, não é mais imprescindível que as premissas do pensamento sejam concretas. E o raciocínio lógico em seu formato de pensamento hipotético-dedutivo, se expande, chegando à capacidade de realizar todo o processo de reflexão seguindo as regras da lógica. É, exatamente, este pensamento que permitirá a entrada nas Ciências, as exatas, as biológicas, as sociais.
O adolescente, pelo seu momento de instabilidade, de perdas da infância e conquistas do futuro chegando, e pela imaturidade de lidar com o novo, não sabe modular as quantidades. Assim, ele cai, facilmente, nos excessos. Excesso de manobras no skate, de jogos eletrônicos, de bebida alcoólica, ainda não permitida, de conversa com o amigo ou amiga preferida, de músicas em altos decibéis nos fones de ouvido, o que o deixa fora do mundo. Essa tendência ao excesso pode levar o adolescente também à adrenalina das drogas. Sua onipotência “garante” que, para ele, não há risco de se submeter àquela substância. Ele se crê capaz de sair na hora que quiser. E é aí que mora o perigo. A facilidade e banalização do acesso a certas substâncias que transitam em festinhas de aparência inocente, colocam muitas vezes o adolescente à beira do incontrolável, da dependência.

Pais esperam filho adolescente chegar em casa (Foto: AP Photo/Ariel Schalit)

Faz-se necessário esclarecer que não é apenas uma oferta de alguma droga que empurra um adolescente para a dependência. Há várias possibilidades que se apresentam nestas situações de oferta fácil e de pressão do grupo, desde a simples negação, à aceitação com repeteco, passando pelo experimentar recreativo ou que traz mal estar, e que não se repetirá. É preciso considerar que a dependência química é plurifatorial. E, principalmente, é um “achado”, é como uma “bala perdida”. Não se sabe qual é a droga que sintoniza com cada organismo. Ou seja, no experimentar, a pessoa pode conhecer a droga de sua “combinação”, a droga de eleição orgânica. Por isso, não é tão banal e inofensivo experimentar. Mesmo assim, a droga de eleição precisa de condições, principalmente, de vulnerabilidade afetiva.
A complexidade da adolescência está em todos os terrenos. São muitas mudanças, em velocidades diferentes e simultâneas. A natureza se encarrega de reorganizar. Mas, é preciso que o afeto acolha as angústias e incertezas, e abrace este quase vulcão dando um limite e, ao mesmo tempo, incentivando o impulso para o futuro.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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