Comportamento & Equilíbrio

Estragos Permanentes da Privação Materna pela Acusação de Alienação Parental — Parte I

Gardner, o inventor da locução “alienação parental” instruiu a todos os pais que fossem denunciados por abuso sexual intrafamiliar, que, saindo do foco da esfera criminal, entrassem, imediatamente, com uma queixa de alienação parental nas Varas de Família, para revirar o foco sobre a mãe. Segundo registros do Coletivo Mães na Luta, 100% das Defesas Judiciais de pais denunciados por abuso sexual e/ou violência, usa a alegação de alienação parental, 100%. Assim está sendo cumprido os ditos do médico pedófilo, defensor da pedofilia como benéfica para a criança.
Gardner escreve em seu livro “True and Falses Accusations of Child Sex Abuse” (Acusações verdadeiras e falsas de abuso sexual infantil, na tradução livre), nas páginas 24 e 25 que, “as atividades sexuais entre adultos e crianças são parte do repertório natural da atividade sexual humana, uma prática positiva para a procriação, porque a pedofilia estimula sexualmente a criança, tornando-a muito sexualizada e fazendo com que ela anseie pelas experiências sexuais que redundarão num aumento da procriação”. Para este autor, não é o abuso sexual de uma criança que é maléfico a ela e, sim, a reação draconiana e repressora da sociedade. Ele culpabiliza a mãe pela ocorrência dos abusos sexuais incestuosos. E recomenda que a criança seja “tratada” por um terapeuta que deve ver junto com ela vídeos de abusos de crianças, dela inclusive, para que ela veja que é natural.
É este senhor, com este pensamento e convicção, que está na origem do termo alienação parental. A quem seguimos, dogmaticamente. Vale ressaltar que não há comprovação científica nem do termo nem, menos ainda, da síndrome que baseia sua tese. Mas parece que nada disso importa. Vidas de crianças vítimas, não importam, em meio ao sistema jurídico viciado. A violação de Direitos é intrínseca à lei 12.318/2010. Sua inconstitucionalidade já é apontada por Juristas, e uma Ação de Inconstitucionalidade (ADI), já está no STF.
A realidade, no entanto, nos mostra o descumprimento da Lei 13.431/17 que reza a proteção da criança vítima de violência sexual, com método científico de Escuta e Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes para evitar a revitimização. Hoje e amanhã, temos crianças e adolescentes submetidos ao método de tortura da acareação, que muito lembra estratégias de tortura para obtenção de uma “verdade desejada”, como em regimes políticos ditatoriais. Colocar vítima e agressor sexual numa mesma sala com uma pessoa estranha à criança, a intitulada “Perita Forense”, para que a criança faça uma sustentação de seu relato em frente ao seu abusador, é de uma crueldade inominável. E, se atribuir pelo “olhômetro” o conhecimento se houve ou não houve o abuso sexual, é, no mínimo, delirante. Mas, é assim que ocorre. O “olhômetro” é o único instrumento de aferição da ocorrência de abuso, aceito pelo judiciário. Ninguém se pergunta se é possível uma tal afirmação por critérios que vão da hostilidade à afetividade da criança por aquele adulto, desprezando o que deveriam ter estudado nos bancos da faculdade e, mais ainda, da necessária especialização honesta, da dinâmica das relações abusador/abusado, dos mecanismos de defesa que entram em ação no ciclo da opressão, inerente às situações de abuso sexual intrafamiliar.
Neste momento, ou logo no início do processo, entra em ação o consagradíssimo Sofisma: Houve uma denúncia de abuso sexual intrafamiliar — Premissa Maior — não foi lograda a prova desta denúncia — Premissa Menor — LOGO, é alienação parental. Fechou. Não se investiga mais nada. Aquele genitor é pessoa ilibada, vítima da mãe louca da criança, que rancorosa, quer prejudicá-lo, coitado do agressor, é um “ótimo pai”, proferem alguns operadores de justiça. O relato da criança, que é evitado, é definido como falsas memórias. Outra tese sem cientificidade que ganha cada vez mais espaço no campo psicojurídico.

Alienação parental (Foto: LightFieldStudios/Thinkstock/Getty Images)

Não tem importância também se não é comprovado cientificamente. O que importa é já ter uma armação para desacreditar a voz da criança quando, eventualmente, ao seguir a lei 13.431/17, a Lei da Escuta Especial, também conhecida como Escuta Protegida. Ninguém se importa com a ausência de lógica de uma criança de quatro ou cinco anos, por exemplo, descrever uma ereção e uma ejaculação, sem nunca ter visto ou participado delas. Com quatro ou cinco anos, até os 11 anos, o desenvolvimento cognitivo só funciona por raciocínio concreto, ou seja, é através das percepções que chegam ao cérebro pelos cinco sentidos, que a criança poderá armazenar memórias. Assim é inexplicável este malabarismo, que continua carecendo do mínimo de lógica. É como se pensássemos que uma criança é capaz de aprender o teorema de Pitágoras antes de aceder ao estágio das operações abstratas. Poderia ter uma criança gênio, sim. Mas, todas são gênios?
Uma vez recebida a marca a ferro e fogo de “alienadora”, como gado no pasto, a mãe perde o direito ao contraditório. Tudo que ela disser, será entendido como prova de sua alienação. E os advogados tratam de calá-la, pensando ser esta a melhor estratégia para que ela não perca a guarda daquela criança que ela pretendeu proteger. Doce ilusão. Mães múmias, ou mães que retrucam, todas caminham para a perda da guarda, para seu afastamento da criança, para a punição de perder o filho/a vítima de abuso para, justamente, o seu agressor.
A Privação Materna está instalada. Suas sequelas são nefastas e nocivas ao desenvolvimento saudável, inscrito na Constituição Federal, no ECA, na Declaração Universal de Direitos Humanos.
Continuaremos na próxima semana. Há muito a expor.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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