Comportamento & Equilíbrio

Direito à Mãe x Direito ao Romance — Parte II

Quando pensamos na importância do Cuidado Materno, não estamos desconsiderando o cuidado Paterno

O Direito à Mãe, determinado pela Natureza aos mamíferos, tem sido violado entre os humanos, por parte de sua própria evolução. Afastamo-nos da Natureza crendo que estamos evoluindo. Descobertas, tecnologia, a menina dos olhos da modernidade. O pensamento serve ao progresso, mas também serve ao retrocesso. Quando buscamos desculpas, manipulamos e distorcemos o que de Natureza existe dentro de nós, nos tornamos mais vulneráveis e regredimos.
A amamentação, por exemplo, frequentemente, entra em cena. Já foi condenada por falsos argumentos da estética feminina, que funcionava como uma cortina de fumaça do marketing para a introdução dos leites em pó. Já saiu desta condenação e se instalou como uma tirania, propagando uma ansiedade complementar para todas as mulheres, em momento tão delicado de início da maternidade.
E, mais recentemente, apareceu vestida de falso moralismo, provocando uma discussão sobre a amamentação em público, com tentativas de repressão. Por que será que aquele momento de sólida ligação entre duas pessoas, quadro da quase indissolubilidade silenciosa mãe-bebê, encanta e incomoda, ao mesmo tempo?
Desculpas também são ditas em nome de uma alegação acusatória contra a mãe, que levam ao afastamento e ao desmame traumático. Pessoas pensantes, ou melhor, que deveriam ser pensantes, engolem esses malabarismos do discurso que acusa a mãe de alienação parental. E o desmame abrupto acontece por ordem judicial, com o argumento negligente de que aquele bebê não precisa mais do leite materno. E, ao Desmame Judicial, segue-se a Privação Materna Judicial. A lei da Natureza tem sido violada.
Quando pensamos na importância do Cuidado Materno, não estamos desconsiderando o cuidado Paterno. A qualidade do Cuidado com nossos filhotes é o que vai garantir uma boa estruturação de caráter. Mãe e pai têm suas funções fundamentais no desenvolvimento saudável da Criança. Mas, na Primeira Infância, é a Maternagem que ocupa o maior espaço. No entanto, não devemos cair no equívoco de achar que uma mulher que criou seu filho sozinha, pode se intitular de mãe e pai dele. Ela será sempre a mãe dele, e isso é mais saudável do que pensar que ocupa o lugar do pai ausente. Crianças, filhas de mães solo, irão procurar identificações com outras figuras masculinas e isso é possível e saudável.
Facilitada pelo vínculo víscero-afetivo desde o início da vida intrauterina, a relação mãe-bebê pós-nascimento, vai se construindo dentro de uma proximidade física e afetiva que estimula o crescimento da Criança. É neste campo fundado pelo vínculo visceral, que antecede a comunicação verbal, que é dada a partida do desenvolvimento saudável.

Amamentação em público ainda é tabu (Foto: iStock)

Nascemos egoístas e imediatistas. Alguns permanecem perto disso. Mas é a capacitação na Empatia, trazida pela mãe, que transformam esse primitivismo em comportamento humano, e, depois, em responsabilidade social. A capacidade de Empatia é introduzida quando as descargas de frustração e raiva se expressam em comportamentos agressivos contra os outros. Ao quebrar o brinquedo ou bater no amiguinho, é a mãe que traz o romance, traz a compaixão pelo que sofreu o ataque, convidando seu pequeno a tentar se sentir no lugar do outro. O pai, também pode trazer a dimensão do resultado daquele “ataque”, em geral, trazendo a lei, o “isso não pode fazer”. A tentativa de levar a Criança ao sentir como o outro vem no comentário, predominantemente, materno: “ai! Ficou dodói! Vamos dar um beijinho!” e o acolhimento ao agredido, que seja o amiguinho ou o caminhãozinho quebrado, vai ser inserido na atividade mental da Criança.
Ao mesmo tempo, essa nova dimensão, ao dar vida ao caminhãozinho, autoriza a criança a liberar o imaginário. É o Direito ao Romance. A capacidade de fantasiar irá construir a capacidade criativa. É a licença à poesia, à pintura, à música, à arte, companhias para a vida toda. É na poesia que nos mantemos nesse imaginário tão necessário à saúde mental. Criando imagens e metáforas, nos alimentamos de mundos nutritivos.
No entanto, não devemos confundir a facilidade de uma Criança de brincar com o imaginário, que ela não sabe distinguir fantasia de realidade. Ela não sente vergonha social de conversar com seu bichinho de pelúcia ou até de encenar uma história com objetos que passam a ser personagens, numa sala de espera. Com competência e presteza voltam à realidade. Aos três anos a Criança já é capaz de administrar essa diferenciação. É quando aparece a frase que é muito dita por elas: “verdade verdadeira, mãe”.
Em nome da necessidade de Mãe, da saúde mental que depende desse cuidado materno, devemos cuidar para que Mães não faltem a Crianças.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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