Como cresce uma Criança? — Parte XI
A violência é triplicada. A primeira, aquela entre um adulto abusando de uma Criança, a segunda, aquela que coloca a Instituição para proteger o abusador/operador, a terceira, a da decepção, aquela que obriga a vítima, e quem toma conhecimento, a enxergar sua vulnerabilidade elevada à potência máxima, quem é pago pela sociedade para exercer a função de guardião da lei, transgride
Quantas coisas precisariam ser ditas sobre os efeitos e sequelas do impacto de extremo estresse, composto pela violência física E/OU violência sexual praticadas contra uma Criança? A repercussão dessas violências, na mente e no corpo da Criança, tem, por excelência, a sensação de impotência absoluta, que permeia essa prática. E, essa repercussão terá uma variação de padrão, segundo a idade, a etapa de desenvolvimento. Como já dissemos no último artigo, o extremo estresse vivido pela Criança marcará a sua existência em expressões compatíveis com as aquisições já conquistadas. Mesmo quando a Criança ainda não adquiriu algum código moral, ela terá impressa a impotência para impedir a violência, acompanhada do medo paralisante.
Nessa semana tivemos a divulgação de crimes, que estavam acontecendo há muito, espancamento e abuso sexual, emblemáticos em seus conteúdos perversos e cruéis, que provocaram, mais uma vez, indignação de todos. Ver por imagens de vídeo um menino de quatro anos, como o outro que a mídia revelou no ano passado, quando foi assassinado por espancamento, encolhido, acuado, torturado, causou revolta. Leis, temos para ambas as situações. Mas, é a cultura da transgressão e o desejo de Poder Absoluto sobre um mais frágil, que, cada vez mais, rege nossa sociedade.
Cotoveladas fortes no rostinho, seguidas de sufocamento de nariz e boca. A fragilidade daquele corpinho se assemelhava ao corpinho do outro, o que morreu. É obsceno. É indigno. É inumano. Animais não fazem isso com seus filhotes.
Aquele ator, premiado, competente no que fez na dramaturgia, detentor da admiração de uma multidão de apreciadores das artes cênicas, acima de qualquer suspeita. Abuso de enteado de quatro anos e de garoto de 12 anos. Em seu celular e em seu computador, muitas imagens de pedopornografia. Muitos vídeos de estupro de bebês.
Apenas 10% do total de abusos sexuais contra Crianças são denunciados. 10%, só. Entre 75% e 85%, aproximadamente, é o montante dos abusos sexuais intrafamiliares. Apesar dessa subnotificação, são cerca de 130 denúncias por dia. Pais, avôs, tios, padrastos, irmãos, primos, são os promotores desse crime dentro das famílias. Mães aparecem como coadjuvantes em alguns casos. Essa cumplicidade pode estar associada à intimidação e à violência doméstica que sofre por parte do agressor, à dependência afetiva, à dependência financeira. Ser conivente com um crime de violência contra a criança é tornar- se criminosa.
Os maus-tratos físicos e espancamentos também ocorrem, predominantemente, dentro da família, praticados pelos mesmos familiares acima citados. As mães entram aqui quando usam os castigos físicos como disciplina, o que é inadequado e está proibido por lei.
Tomamos essas duas ocorrências que se tornaram midiáticas, para exemplificar o que ocorre aos milhões, com milhões de Bebês e Crianças, todos os dias. Os 90% restantes permanecem nas sombras, nos segredos de família, no silêncio pactuado, protegido pela Criança, e protegido pelas Instituições que têm, por função, a garantia dos Direitos Fundamentais. Com uma boa distorção, opera-se a inversão do objetivo. E, ainda, “legalizada”.
Não raro, aparece um vazamento de uma ocorrência macabra. Há poucos dias, um operador de justiça, bem graduado no Sistema, foi flagrado em estupro de vulnerável. Começou com uma menina, e logo eram seis meninas. A violência é triplicada. A primeira, aquela entre um adulto abusando de uma Criança, a segunda, aquela que coloca a Instituição para proteger o abusador/operador, a terceira, a da decepção, aquela que obriga a vítima, e quem toma conhecimento, a enxergar sua vulnerabilidade elevada à potência máxima, quem é pago pela sociedade para exercer a função de guardião da lei, transgride.
Assim também o é em relação à violência física. Bebês e Crianças são mortos todos os dias porque estavam chorando, ou fizeram uma bobagem, ou acordaram de noite e incomodaram.
Se os hematomas ou fissuras somem em alguns dias, as marcas para dentro da pele ficam invisíveis no corpo para sempre. E são registradas como alerta de morte porque é como uma ameaça letal que o Bebê e a Criança sentem e memorizam. A confiança no outro é trocada pelo medo, difuso ou bem localizado, dependendo da faixa etária. A dor física ou afetiva, como placas tectônicas em abalos sísmicos, não conseguem mais se encaixar.
Não é de ordem disciplinar na violência física, muito menos de ordem sexual nos abusos. Numa grande cadeia social permissiva, que se apraz com o sofrimento dos mais frágeis e invisíveis, é o Prazer Supremo do Poder Absoluto sobre um vulnerável, com o acréscimo da sensação de superioridade por enganar a todos. Parece que nos acostumamos a isso que impera. Sim, nos horrorizamos, mas logo esquecemos, até que chegaremos a naturalizar essas atrocidades. A pornografia infantil, indústria internacional muito rentável que tem tentáculos domésticos, intrafamiliares, trabalha para isso.
E a Criança, como cresce?