Cultura

A Janela

Por Silvia Vanderss

O aroma do café passado invadiu a pequena casa. Não havia um cômodo em que não se sentisse o perfume aprazível daquela especiaria.
— Bom dia, amor! O bebê acordou? — disse o marido, ao dar um beijo no rosto da esposa.
— Bom dia! Sim, acordou faz uma hora. Deve estar correndo pelo quintal. — Ela respondeu sorrindo, ao pôr o café em uma xícara.
— Mal começou a andar e já está correndo. Este moleque puxou ao pai! — disse o homem, com orgulho.
— Verdade! É hiperativo, como você! Deus me ajude! — A esposa afirmou, ao olhar pela janela e ver o menino de fraldas, brincando próximo ao carro do pai.
Eles tomaram café juntos e conversaram sobre os planos para o dia. Mais uma vez ela olhou pela janela, para conferir a posição do filho.
— Amor, tenho que ir. Tenha um ótimo dia! — O marido beijou a esposa e foi ao banheiro.
— Você também, amor. Qualquer coisa me liga! — Ela falou, separando a louça para lavar.
Antes de iniciar a arrumação da cozinha, ela foi até a janela e chamou o filho para dentro de casa. O menino se levantou e caminhou em direção à mãe. Após limpar a mesa e os armários, ela guardou os alimentos na geladeira e foi para a pia, lavar a louça. Enquanto lavava alguns copos, ela ouviu o ruído do carro no quintal. Então algo a despertou para buscar o seu filho. Ela olhou à sua volta e nada. Foi até a janela e não o avistou. Seu pavor aumentou ainda mais, por não o encontrar por perto. Sem saber o que fazer, ela gritou.
— Não saia com o carro!
Contudo, sem resposta, ela correu a passos largos, que a levaram à parte da frente do seu quintal. Durante o percurso, a sensação era de cruzar por um caminho infinito.
Com o desespero único de uma mãe ao pressentir o perigo próximo ao seu filho, suas mãos suavam em meio as bolhas de sabão. Ela correu, até se deparar com tudo aquilo que jamais ousou em pensar ver um dia. Seu marido estava ao volante, pronto para dar ré no carro, enquanto o seu filho brincava debaixo do veículo. O mundo passou a ser entendido de outra maneira, e tudo o que ela conseguiu fazer foi se jogar em direção ao carro, para chamar a atenção e evitar a tragédia que estava prestes a ocorrer na família.
O marido, com os vidros fechados e o som ligado, passou a primeira marcha, antes de entrar com a ré e realizar a manobra. Ele segurou o carro no freio, olhou as mensagens no celular e conferiu os documentos que usaria naquele dia, antes de acelerar. A esposa, percebeu que a sua ação não havia surtido efeito algum, correu novamente e desta vez se jogou abruptamente em cima do carro, sem pensar em mais nada.
O impacto foi como se uma imensa pedra fosse lançada no para-brisa. O desespero do susto fez o marido puxar o freio motor, e retirar o pé do acelerador. Ao ver a esposa apontando para baixo, ele olhou pelo retrovisor, e, viu o seu filho sentado debaixo da roda do carro. O sangue abandonou a sua face, ele saiu do veículo com as pernas trêmulas, sem fôlego algum. A esposa retirou imediatamente a criança debaixo do carro. O casal se abraçou com lágrimas nos olhos e a sensação de alívio mais intensa do universo.

Conto: 569 palavras
Autora: Silvia Vanderss
Livro, “O Medo” (2022)
Título: A Janela
Silvia Vanderss
Autora capixaba, com formação em Administração e Letras
Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia
Blog literário: www.silviavanderss.com.br

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