Constelações Familiares, uma seita nos Processos de Família — Parte II
O mito da família feliz nega a gravidade do crime cometido. A mulher deve pedir perdão diante de todos, por ter ousado acusar aquele homem de ter cometido a violência sexual contra uma Criança
Será que os operadores de justiça acreditam mesmo que todas as vezes, e foram muitas, que aquele agressor doméstico ou abusador de filho, cometeu o crime de violência doméstica ou de estupro de vulnerável, ele estava “possuído” pelo espírito do ancestral, o “verdadeiro” criminoso que viveu décadas atrás? E, em “acreditando”, nesse espírito ou em alguma outra denominação vibratória, têm a certeza de que estão julgando corretamente? Será? Eu não posso acreditar.
Muitas pessoas me procuraram estupefatas diante do que escrevi no artigo publicado na semana passada. Infelizmente, é a verdade sobre essa seita aceita e autorizada para ser usada nos espaços judiciais, a decidir a vida de milhares de pessoas que procuraram a Justiça para se proteger ou proteger sua Criança de um agressor.
Parece-me que o teatro armado nessas sessões que não respeitam o fato de o País ser laico, não respeitam o segredo de justiça, tão severo quando se trata de expor equívocos, erros e injustiças, não respeitam os códigos de Ética Profissional diante do sofrimento de pessoas, não respeitam a função do julgar. O julgamento é o principal nesse momento em que a impotência de um vulnerável é o horror que potencializa as violências sofridas.
Como já falei, para ser “constelador” não precisa ter graduação de Psicologia nem Medicina. Na verdade, qualquer graduação sem nenhuma relação com o conhecimento do mundo psicológico das pessoas, serve. E mais, não precisa nem sequer ter graduação universitária. A dita “formação” para se tornar um “constelador”, é feita junto aos gurus que mantêm esses grupos, grande parte por via on-line, e que se completam em 20 horas. É bem semelhante, aliás, à formação de peritos forenses: em um final de semana, on-line. E, para os peritos, o certificado e a inclusão na lista nacional de Peritos Forenses registrados na Justiça. On-line por um final de semana, o que se aprende? Só dá tempo de instruir sobre alienação parental que é uma acusação que não precisa fundamentar teoricamente. As questões complexas e difíceis, como o abuso sexual intrafamiliar, não são tocadas, sequer. Claro. Esse é o objetivo da lei de alienação parental.
Como escreveu Gardner, se um pai é denunciado por abuso incestuoso, ele deve tirar o foco da Criança e colocar a mãe em cena acusando-a de praticar a tal alienação. Ele mostrou esse caminho exitoso nos mais de 400 laudos que fez para inocentando pais abusadores de seus filhos. Mas esses filhos cresceram. E ao completarem 18 anos, voltaram à polícia e à justiça e o acusaram e ao Estado de serem abusadores. Investigado pelo FBI, Gardner tentou um primeiro suicídio com uma overdose de heroína. Foi salvo no hospital. Então, se muniu de um objeto pontiagudo, aquele tipo de arma fabricada condenados em presídios, e se furou diversas vezes, por todo o corpo, inclusive dilacerando os genitais, até que atingiu a carótida, e morreu. Esse é o guru da lei de alienação parental que seguimos por aqui.
No lugar de cumprir a lei penal que não aceita a violência e de responsabilizar, devidamente, aquele que infringiu a lei, aquele ancestral trazido pelas vibrações morfogenéticas no campo magnético imaginado ali no meio do teatrinho, a desresponsabilização é coroada, e acredita-se que ela veio para salvar o infrator, visto como vítima. O mito da família feliz nega a gravidade do crime cometido. A mulher deve lhe pedir perdão diante de todos, por ter ousado acusar aquele homem de ter cometido os crimes de violência doméstica ou de violência sexual contra uma Criança. Perdão para o agressor. Para alguns consteladores esse pedido de perdão deve ser feito de joelhos. Sim, diante de seu agressor, por exemplo, ela se ajoelha, em geral aos prantos de desespero e humilhação, deixando bem claro a supremacia masculina e a impunidade autorizada.
Ao invés da responsabilização, a culpabilização entra em cena. A mulher é a culpada por ter sido espancada pelo marido. A mãe é a culpada por ter um filho abusado ou filha abusada sexualmente pelo pai. Essa ideia de culpabilizar a mulher por ser espancada pelo marido foi inventada pelo pai das constelações familiares, Bert Hellinger. A ideia de culpabilizar a mulher/mãe pelo abuso do filho ou filha, é do Gardner, foi inventada pelo pai da alienação parental, mas também corroborada por Hellinger.
É tão óbvio o que os dois têm em comum. Trocando em miúdos, grande incômodo com a figura feminina. O incômodo faz com que a pessoa busque o ataque àquilo que a está incomodando. Mas não vamos seguir esse caminho. É preciso tentar entender o motivo dessa ânsia por Poder e Dominação, a qualquer custo. Até dispensando a realidade.
Hellinger, pelo seu lado, é o inventor dessa tese pseudocientífica das constelações familiares, que tem em seu cerne a crença no retorno e proatividade dos mortos, e uma ilusão e mágica “solução de harmonia”. Ele era um padre missionário que foi enviado para catequizar em aldeias zulus na África. Interessou-se muito pelos rituais religiosos dos zulus, que inseriam os ancestrais em suas cerimônias. Voltando para a Europa, se desligou do sacerdócio, casou-se e estudou teologia. Não se formou em Psicologia, leu alguns textos. Foi-lhe pedido por Hitler que buscasse algo para recuperar soldados da S.S. que voltavam com muitas dificuldades psicológicas do front. Era grande admirador de Hitler, a quem dedicou um poema especial. Foi assim que Hellinger montou a saída para desculpabilizar e desresponsabilizar os soldados: eram os ancestrais que haviam voltado e cometido os crimes que os soldados apenas executaram. Apenas.
Bert Hellinger se dedicou a escrever livros onde afirma aberrações parecidas com as escritas por Gardner. Somar essa tese à tese da alienação parental torna essa última mais robusta ainda, sem medir os estragos que ambas provocam. O critério para medir a eficácia da aplicação da constelação familiar é a baixa procura depois de passar por ela. Ou seja, as pessoas que não voltam à justiça, sem que se saiba o real motivo, servem de argumento para dizer de um efeito.
Mas não são computados nem esses motivos, que podem ser desistência e desilusão com a justiça, nem os desastres psicológicos que uma exposição dessa magnitude promove. Temos notícia de alguns suicídios pós- constelação. Pessoas frágeis e fragilizadas por ocorrências delicadas e dolorosas em suas vidas afetivas que são escancaradas sem nenhum pudor entre pessoas desconhecidas, e que dizem passar pelo mesmo sofrimento, são colocadas no iminente risco de surto, de ataque de desorganização mental. A revitimização é publicada, agravando mais ainda a angústia e o desespero do desrespeito à pessoa humana. E, quem está ali dirigindo o ato, o constelador, é um leigo. É brincar com fogo.
Sugiro que escutem o Podcast Episódio 77 da Rádio Escafandro, produzido pelo Jornalista independente, Tomás Chiaverini. Conhecemos nesse podcast a consteladora que utiliza seus cavalos de raça que “falam” com ela, trazendo as informações dos antepassados mortos. Não é brincadeira, é sério. Falaremos sobre os cavalos na próxima semana.