Cultura

O Dia e a Noite

Entre a luz e a escuridão, em plena hora mágica, ou apenas penumbra, ocorreu um diálogo inusitado nos céus, entre o Dia e a Noite:
— Será que a sua pontualidade nos prejudica de alguma forma? — indagou a Noite.
— Não compreendi o motivo do seu questionamento. Ser pontual é algo bom, um valor de poucos, nos tempos atuais — respondeu o Dia.
— Sim, sempre foi. Porém, no nosso caso, se aproveitássemos mais este momento entre nós, sem a luz e sem a sombra total…

— É um pensamento eloquente. Fomos criados para servir — interrompeu o Dia.
— Eu sei servir e cumprir — a Noite afirmou, tristonha, e o Dia quis compreender melhor o porquê daquela crise repentina.
— Não há como mudar o que não pode ser mudado, ou o que não quer ser mudado — disse o Dia.
— Só queria prolongar o nosso momento, sem maiores prejuízos — disse a Noite.

— Ainda eloquente. Não podemos errar. Somos responsáveis por vidas. Por favor, não persista com tal pensamento. Vamos conversar sobre outra coisa! — pediu o Dia, animado.
— Como o quê, por exemplo? Já sei, você irá falar de novo sobre o tempo — disse a Noite, revoltada.
— É um dos nossos melhores assuntos há milênios! Não acredito que está entediada por isso. Mas posso pensar em outro assunto, então. Hum, temos algumas estrelas a menos.
— Como assim? As estrelas estão morrendo? — a Noite perguntou, curiosa.
— Existe uma nova galáxia por aí que está em vantagem em relação a nossa Via Láctea. Não produzimos mais como antes — disse o Dia, com entusiasmo pela conversa.

Poema: 647 palavras
Autora: Silvia Vanderss
Título: O Dia e a Noite
Arte Capa: Thais Alves

— Sabe o motivo?
— Não muito bem. Mas tem algo a ver com a luz do berçário das estrelas.
— Então, é óbvio que, se tem a ver com luz, a culpa pode ser sua; e se estamos conversando sobre isso, de certa forma, falamos do tempo — disse a Noite se virando contra o Dia.
— Ah, não tem nada a ver uma coisa com a outra. E não venha me culpar pelo sumiço das estrelas. Estamos diante do planeta Terra. Ouço fuxicos de todos os lados, de planetas, asteroides, estrelas, etc. — o Dia se defendeu, nervoso.
— Então, voltando a nós dois, vamos ficar mais tempo juntos? — insistiu a Noite, no intuito de o convencer.
Com um rosto inexpressivo, o Dia respirou fundo, para impor novamente o seu ponto de vista.

— Não vou errar por você! Fazer o quê? Atrasar, deixar a luz do planeta mais escura ou talvez permitir que a escuridão se prolongue um pouco mais?
— Não estou aqui sozinho. Fomos criados em um equilíbrio infinito. Você precisa se estabilizar em um bom senso.
— Eu sou a louca, a errada, a romântica incorrigível, a instável, como você diz. Noites escuras, Noites claras, Noites frias e Noites quentes. Isso também ocorre com você, queridinho!
— Viu, amor? Agora é você quem está falando sobre o tempo — instigou o Dia, com certa ironia.

— Tudo bem. Vamos manter o equilíbrio de sempre. Seremos pontuais, manteremos os nossos compromissos e vamos permanecer com tão pouco tempo para nós dois. Não quero que erre por mim. O nosso amor é realmente insignificante perante todos os compromissos para os quais fomos criados. Só te peço a gentileza de não me procurar mais. Não quero sentir o seu toque, o seu calor a desestabilizar as minhas sombras e os meus devaneios — disse a Noite ao olhar firmemente nos olhos do Dia.
— Noite! Está me dizendo que não poderei te tocar, nem mesmo sentir a junção entre a minha luz e a sua escuridão? — O Dia sentiu um pesar sobrenatural tomando conta da sua essência. E o medo de perdê-la o fez entrar em pânico.
E por fim, após alguns pensamentos se consolidarem entre o medo e a dúvida, iniciou-se o primeiro dia do solstício de verão, no Círculo Polar Ártico.

Silvia Vanderss

Silvia Vanderss

Autora capixaba, com formação em Administração e Letras Seis obras publicadas que abrangem os gêneros, romance, suspense e poesia Blog literário: www.silviavanderss.com.br

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