Comportamento & Equilíbrio

Tragédia, massacre de Crianças assassinadas a machadinha — Parte IV

Crianças têm sido assassinadas por balas que ganharam a alcunha de “perdidas”, balas de fuzil que têm a trajetória certeira

É preciso sempre lembrar que a tragédia está no que é midiático e no que resta reservado ou, até, sombrio. Uma única Criança que é tratada com crueldade, importa. Ter a vida interrompida durante a infância é uma tragédia. Já abordamos a barbárie com as Crianças Ianomâmis, assassinadas por fome e malária. Temos abordado a morte hedionda das Crianças de Blumenau, e os grupos que planejam essas crueldades, pedindo até financiamento pela internet.

Estamos nos tornando, infelizmente, uma sociedade de crimes e polícia. A Cultura da Violência em todas as suas formas assalta nossas mentes todos os dias. O noticiário policial predomina na mídia, deixando pouco espaço para outros temas que deveriam aerar nosso pensamento. Dedicamos muito tempo com segurança, da virtual à urbana. Mas, não adianta muito. Crianças têm sido assassinadas por balas que ganharam a alcunha de “perdidas”, balas de fuzil que têm a trajetória certeira. De onde vem tanto fuzil? Estamos em guerra, estilo Primeira Guerra Mundial e não nos avisaram?

Rafaelly, Ester e Larrain, crianças de 10 e 11 anos, de janeiro a abril, encontraram as suas balas perdidas. Aqui no Rio de Janeiro temos o costume de consultar os aplicativos que avisam onde há balas perdidas. O “fogo cruzado”, o “onde tem tiroteio”, entre outros, são aplicativos que prestam um serviço essencial para a população antes de sair de casa. Mas, por vezes, são tantas e tantas as balas perdidas que elas aparecem onde não há confronto entre traficantes e policiais, traficantes e traficantes, entre milicianos e traficantes, entre milicianos e policiais. Ou dentro de casa, na escola, no parquinho, na praia, ou caem do céu nos tiros comemorativos dados para o alto, porque elas sobem e depois descem em queda livre. São muitas as possibilidades de tiroteios e das balas “autônomas”.

Perda da guarda e fama de louca, é o que acontece quando mães denunciam pais por abuso sexual (Foto: Pixabay)

A tragédia de perder um filho para uma bala de fuzil deveria ser levada a sério. A dor é inimaginável. Toda morte de Criança dói para sempre. Por que estamos desprotegendo tanto nossas Crianças?
Se por um lado temos um arsenal bélico do tamanho necessário a uma guerra, por outro temos perversos que com armas brancas, facas e machadinhas, incluindo os socos e pontapés, que praticam o gozo das perversidades contra seres vulneráveis. É incompreensível constatar que um homem tortura uma criança de três, quatro anos, deitada de bruços, quase como uma estátua a receber socos sucessivos no ouvido e na cabeça. A tortura é para proibi-la de chorar, é para ela aguentar calada, o que ela consegue, por mais impossível que isso pareça. E que seja. Nessa faixa etária, as Crianças choram por qualquer dor.

Mas, aquela menina se mantém silenciosa como seu torturador ordena.
A perversidade institucional foi mostrada essa semana pela matéria do The Intercept Brasil. A juíza realizando uma oitiva com a psicóloga de uma Criança, vítima de abuso sexual perpetrado pelo pai, desconsidera esse crime e, deliberadamente, distorce as respostas da profissional para incriminar a mãe do menino por alienação parental. A magistrada vai dirigindo seu roteiro para sentenciar ao final a inversão de guarda, o afastamento da mãe, Privação Materna Judicial, e a entrega do menino em guarda unilateral ao pai, aquele que abusa sexualmente do filho. Sua justificação foi a de que não era abuso sexual, era um banho arrojado. As lesões no ânus do menino eram pela higienização.

Rio de Janeiro – A ONG Rio de Paz coloca placas nas areias da praia de Copacabana com nomes de menores que morreram vítimas de balas perdidas nos últimos 10 anos na capital fluminense (Tomaz Silva/Agência Brasil)

O incrível é que já tinha ouvido outros magistrados cometerem esse mesmo erro, e, recentemente, também me deparei com uma negação judicial da realidade com o mesmo argumento: é uma questão de higiene. Assim como na bala autônoma de fuzil, na machadinha, na fome extrema, me é difícil de compreender cognitivamente, uma higiene que causa fissuras anais.

Parece que, para os cometedores de perversidade contra vulneráveis, o tão almejado Poder lhes confere uma ilusória certeza de que são capazes de enganar a todos, de que todos são deficitários cognitivos, e seguem diminuindo qualquer traço de preocupação com a lógica que deveria reger as situações que criam em busca desse prazer de que são dependentes.

Precisamos sempre lembrar que os cometedores de perversidade são meticulosos e armam o cenário para efetivar a busca pelo prazer da opressão do mais fraco de maneira que seja favorável a eles, que seja difícil a comprovação, que a vítima seja descredibilizada, para afundar mais ainda na vulnerabilidade. Os massacres mais torturantes são os cometidos intramuros, no calor da intitulada família.

Abuso sexual: Judiciário castiga mães que denunciam pais (Ilustração: Terroristas del Amor)

Não à toa a figura que oferece a maior resistência aos cometedores de perversidades, são as mães protetoras que, guiadas pelo seu vínculo visceral com o filho, a filha, se agigantam. Mas têm sido engolidas pela escalada da violência, da impunidade, da desresponsabilização, como a da juíza que falamos.
A Natureza determinou que mulheres fossem mães: gerassem, parissem, amamentassem, defendessem. São quatro verbos de muito esforço e, muitas vezes, dolorosos.
Por que tanta raiva de mãe?

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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