Cultura

“A Pinga e o Cavalo”

“O dia em que saí pra tomar uma pinga e comprei um cavalo”

No ano de 2002 da era vulgar, quando cheguei a Matilde, em Alfredo Chaves, fui logo me informando sobre as belezas e os atrativos do lugar. Foi aí que um matuto, percebendo minha aflição, me falou de uma “pinga”, uma relíquia, que somente existia naquela região.
Enrolei minha patroa (ela detesta pinga), dizendo que ia dar uma voltinha, tratar de negócios, num assunto certamente enfadonho e sem qualquer motivação. Andei, umas cinco léguas, quando avistei, num descampado, um boteco acanhado, chão batido, dois banquinhos, um telhado e um balcão.

Mal havia me sentado e um sujeito acabrunhado, meio baixinho e com chapelão, veio logo me atender, me servindo uma iguaria, um farto trago, um conhaque e um limão. Foi amizade à primeira vista, uma alegria espontânea e uma excelente discussão. Comecei perguntando se ia chover, para introduzir a conversação.
A pinga realmente era boa, de primeira linha e tradição. A prosa seguia animada, entre causos e mentiras, se renovava a comemoração. Um brinde, uma talagada, uma piada, uma canção. Foi aí que descobri que, na verdade, aquele homem simples e espontâneo era um rico fazendeiro, o maior da região.

Conversa vai, conversa vem, o homem era meio surdo, mas falava de montão. Acontece que, tudo o que eu perguntava, o homem não respondia e só falava do seu cavalo, numa total contradição. Eu perguntava se ele era casado, ele falava do cavalo. Eu perguntava se tinha filhos, ele falava do cavalo. Se ele tinha irmãos, ele falava do cavalo. Eu elogiava a pinga, ele cavalo.

Que o cavalo era isso, que o cavalo era aquilo. Que o cavalo era de família e premiado. Que o cavalo era de estimação, muito caro e ele não vendia não. A cada elogio, mais um trago de pura animação. Até que em certa altura da conversa, a pinga falou mais alto e não sei porque cargas d’água, fiz uma proposta no alazão.
O novo amigo, aproveitando a situação, ditou um preço sem qualquer proporção. Negocia daqui, negocia dali. Ofereci a metade do preço e bati o martelo, gritando, em pura exaltação: “O taura é meu. Tá comprado, aperta a minha mão!”.

O vendedor, meio desconfiado e se dando por vencido, estendeu a mão, quando ouviu a condição. Eu, compro o cavalo, mas só pago à prestação. Fechado o negócio, montei no potro e marchei de volta para casa. Até hoje não me lembro do caminho, nem de como cheguei lá.

O cavalo era dócil e conviveu no sítio por mais de 10 anos. O seu nome era “Teimoso” e o meu filho Mário Augusto adorava cavalgar. Mas, um dia, ele morreu e no céu foi cavalgar. E, até hoje, eu não me esqueço do amigo fazendeiro, da pinga e do lugar.
Por isto, sempre Agradeço ao “PATRÃO CELESTIAL”.

Mário Vieira

Mário Vieira

Capixaba, casado, autor e advogado

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