Comportamento & Equilíbrio

Ideias de pseudociência, por que é tão fácil vender em nosso País? — Parte I

Justificações e justificativas são ditas. E nos contentamos com a ausência de sustentação que siga o Princípio da Razoabilidade

Essa foi uma questão que ficou martelando em minha mente ao assistir à live da Dra. Gabriela Bailas, doutora com Pós-Doc na Universidade do Japão, em Física Quântica, tem comunicação acessível e, por vezes, com humor, característica dos mais inteligentes. Em sua simplicidade de verdadeira cientista, Bibi, como permite que a chamemos, desmonta com precisão a Confusão de Línguas, conceito psicanalítico de Ferenczi, que tanto nos auxilia quando, diante de “falas” que misturam, aleatoriamente, sem nenhum compromisso com o propósito de um pretenso termo científico, surrupia um conceito de uma Ciência e a enfia numa falácia que subverte um processo cognitivo. Fica a confusão.

Não sou cientista, gostaria muito, mas entrei no caminho clínico, me profissionalizei na minha Ciência e no meu conhecimento que, além da parte teórica, é empírico, experiencial. Muitas vezes, tenho passado pela experiência de constatar que algo que venho dizendo sobre aberrações cometidas legalmente, aparecem estampadas em bocas que querem o contrário, ou seja, a manutenção da aberração. Com uma sutil “mexida” linguística, quase imperceptível, aquela fala é levemente distorcida e toma corpo em discurso do outro lado da calçada.

Será que eu disse isso? É angustiante tomar um susto dessa dimensão. A responsabilidade social é grande. Mas a Confusão de Línguas serve a esse propósito. Se quem fala determinada afirmação se sente confusa, imagino as pessoas que estão buscando conhecimento numa determinada área. E, o efeito? Tenho a forte impressão que tem sido exitoso.

Por isso a importância da live da Bibi Bailas: “alienação parental: lei e pseudociência”. https://open.spotify.com/episode/7g19KuuMsCl7hltcYy9Y2r?si=THya7l43Q1O_uY0LdBglJw, se não errei alguma coisa na sequência. Também está no canal do Física e Afins do YouTube. Nessa live a Doutora em Física desmonta dogmas que têm sido responsáveis pelas maiores arbitrariedades “falando” pseudociência sem sustentação, nem dó, nem piedade com Crianças, condenadas, legalmente, ainda na infância, à convivência com seu agressor. Com a perda da mãe.

A Confusão de Línguas tem sido um fenômeno presente, além da retórica, em várias áreas de nossas vidas. Hoje, a convite da amiga Professora de Direito da Criança da Pós-Graduação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) — já aposentada, mas sempre ativa, e que escreveu o Prefácio do meu livro sobre “abuso sexual, uma tatuagem na alma de meninos e meninas” — fui a evento sobre “Adoção, Conquistas e Desafios”, foi falado, muito bem falado, um formato desse fenômeno. O racismo estrutural que acomete crianças filhos de pais de coloração diferente da delas. Muito comum, os dilemas para enfrentar o preconceito racial e as manifestações de bullying aumentadas em quantidade e em crueldade, explícita ou velada, pela característica diferente da criança.

(Foto: iStock)

Como em todas as ocorrências de violência dos diversos tipos e nesses crimes contra Direitos Humanos, previstos nas Declarações Internacionais e Nacionais, na Constituição Federal, e no Código Penal, o mecanismo de defesa mais utilizado é o da negação. Ninguém assume ser portador de preconceito racial, de misoginia, de postura machista, de ser estuprador de Criança. A camuflagem do exercício da violência física — sempre culpa da mulher, da violência sexual — sempre culpa da mulher ou da Criança, acusada de ter seduzido o homem adulto, da violência psicológica — que a mulher e a Criança mereceram, da violência moral — aniquilando a mulher enquanto pessoa, da violência patrimonial — usada para mumificar quem pode denunciar crimes intrafamiliares, da violência institucional — induzindo representantes do Estado a calar a mulher e a Criança, da violência Vicária, ainda pouco falada, mas enormemente danosa, conhecida como violência por procuração, usada por grandes criminosos também que não sujam as mãos, nomeiam que as sujam. Alguém já viu um agressor reconhecer que praticava violência?

E a Sociedade, ela reconhece, por exemplo, que tem preconceito racial? Somos todos racistas em algum grau porque ele está escondido nas nossas raízes que, como no Segredo de Justiça, goza de prerrogativa de Segredo. Justificações e justificativas são ditas. E nos contentamos com a ausência de sustentação que siga o Princípio da Razoabilidade.

Quando lemos o texto de uma jovem médica que evidencia a realidade da violência contra a Criança e o fato feminino, que alimenta índices de três Feminicídios por dia, e um estupro de Criança a cada 30 minutos parece escandaloso tal como foram escandalosas as matérias do The Intercept, retiradas do ar por uma operadora de justiça, sob uma alegação pouquíssimo convincente. Finalizamos com um trecho desse bonito e triste Artigo, que está na íntegra no meu blog www.anamariaiencarelli.blogspot.com.

“…Passamos um tempo compartilhando histórias, sempre chegando às mesmas conclusões — de que ser mulher só por já ser mulher é extremamente exaustivo. A maioria dos homens, até hoje, segue se sentindo no direito de nos assediar e nos agredir, verbal, emocional ou fisicamente, em qualquer ambiente, com a certeza de impunidade. E falamos também sobre como é difícil, pra nós, levarmos isso adiante, prestarmos queixa, sabendo que, como sempre costuma acontecer, nossas queixas muito provavelmente serão subestimadas e menosprezadas, serão taxadas como exagero ou vistas como uma interpretação errônea, como sempre são. O homem sempre terá uma desculpa ou justificativa que será muito plausível aos olhos da sociedade machista que vivemos. Acaba sendo mais extenuante ainda tomar alguma atitude em relação a isso, e então simplesmente deixamos pra lá, avisamos as nossas para terem cuidado, e a vida segue correndo pra essas pessoas como sempre correu. Isso tudo já é tão claro na minha cabeça que é extremamente cansativo até pensar sobre isso e chegar a essa conclusão repetidas e repetidas vezes. Enfim, permanecemos nesse papo mais um tempo, lembrando e compartilhando histórias, de assédio e de outros tipos de violência que ocorreram conosco, com amigas e conhecidas nossas, todas sempre com scripts parecidos. Até que as histórias foram ficando mais cabeludas e eu acabei compartilhando sobre o abuso sexual que sofri na infância e falamos sobre como no mundo de hoje é extremamente difícil ter confiança em qualquer pessoa, haja vista todos os relatos que já ouvimos, já presenciamos e/ou vivemos.

Com a bagagem enorme que a maioria de nós temos, como confiar em alguém sem suspeita, sem um grande sentimento de desconfiança envolvido? Somos obrigadas a viver em constante estado de atenção, não nos sentimos seguras em baixar a guarda. E isso é também uma forma de violência diária que vivemos. O nosso existir é, por si só, um fator de risco para sermos sujeitas a qualquer tipo de violência contra mulher, e viver alerta e com medo é uma agressão que infligimos a nós mesmas (pois o mundo machista nos obrigou a isso). E a cada agressão nova que vivemos, todo o resto que está no passado, que lutamos tanto para deixar adormecido, para seguirmos em frente, vem à tona novamente e parecemos voltar à estaca zero. Essas agressões podem vir em tantas formas… podem vir na piadinha machista “inócua”, podem vir na credibilidade/respeito maior que dão ao seu colega de trabalho homem, podem vir no simples ato de ignorar a opinião de uma mulher numa mesa de bar, de nos interromper quando falamos, podem vir na diferença salarial entre homens e mulheres, além das situações mais óbvias, como o assédio, como o abuso sexual, como o abuso/violência psicológica/emocional nos relacionamentos, como o estupro, como a violência doméstica… e, como isso tudo ainda não fosse suficiente, podem vir ainda pela culpabilização da mulher por parte do agressor e da sociedade por ter passado por alguma dessas situações. E não se enganem, todas essas micro e/ou macroagressões vão abrindo feridas em nós e cabe somente a nós cicatrizá-las, com a ajuda umas das outras. Estou num dia que precisava fazer esse desabafo e aproveito para dizer que, mulher, se não formos nós juntas por nós mesmas, ninguém será por nós.
Assim se sedimentam condutas desrespeitosas/criminosas que também são sedimentadas pelas ideias de pseudociência. No próximo artigo vamos tentar pensar a venda áurea dessas ideias.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

Related Posts

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

EnglishPortugueseSpanish