Ideias de pseudociência, por que é tão fácil vendê-las em nosso País? — Parte III
Há um comércio que é praticado a peso de ouro, já denunciado, mas que segue livremente. Diferente do comércio de drogas, ele é publicitado por palestras, cursos ditos de “especialização”, escritos em laudos e sentenças
Usei o verbo “vender” propositalmente. Há um comércio que é praticado a peso de ouro, já denunciado, mas que segue livremente. Diferente do comércio de drogas, ele é publicitado por palestras, cursos ditos de “especialização”, escritos em laudos e sentenças.
No entanto, essa comercialização, intelectual e financeira, de ideias sem nenhuma sustentação científica, goza da cobertura de garantia da mordaça produzida pelo “segredo de justiça”, que acoberta crimes e criminosos, como nos escreveu a, agora, Desembargadora Maria Berenice, em seu livro “Incesto e Alienação Parental — Realidades que a Justiça insiste em não ver”, em 2010. Ela escreve à pág.177: “Há uma enorme dificuldade em emprestar credibilidade à palavra da vítima. Quando é criança, costuma-se achar que ela usa da imaginação ou que foi induzida a mentir. Quando é adolescente, acredita-se que provocou o abusador, seduziu-o, insinuou-se a ele. A vítima é inquirida se sentiu prazer, como se esse fato tivesse alguma relevância para a configuração do delito. Com isso, a responsabilidade pelo crime passa a ser atribuída a ela, e não ao réu. Justifica-se, assim, sua prática”. Gosto muito de estudar, e foi estudando que encontrei essa concordância de pensamentos que defendo. Fui surpreendida com toda essa propriedade; Berenice disse.
Neste parágrafo estão a descredibilização à voz da vítima, à insinuação que a Criança foi induzida a ter falsas memórias, a acusação à Adolescente de que ela é quem seduziu o “pobre” adulto, seu genitor, a insinuação da culpa porque a Criança ou Adolescente, sentiu algum prazer, e, finalmente, a inversão da responsabilidade do crime.
E continua na pág. 177, completando suas profecias: “As acusações da vítima através de representações, desenhos, comportamentos peculiares, marcas corporais, não são consideradas suficientes. São encaradas como fantasias infantis. Acredita-se que ela mente, inventa para chamar a atenção. Não se dá valor ao que a criança mostra. A palavra do adulto, essa sim, é aceita como verdadeira — afinal, adulto não mente, não engana, não esconde… O adulto sabe representar o ritual necessário, tem palavras adequadas e advogados competentes”.
Hoje está consolidada essa ideia pseudocientífica de que a criança mente, e, justamente, o relato verbal é o foco. Para desqualificar um Relato de uma Criança, mesmo quando há um Exame do IML que aponta lesões na genitália e/ou na região anal, laudos são fabricados afirmando que são falsas memórias que a mãe implantou na mente da Criança. Como se isso fosse possível dentro de tema tão impossível em sua capacidade cognitiva. Agentes de Psicologia ignoram o que estudaram, ou deveriam ter estudado, sobre o desenvolvimento infantil. O raciocínio da Criança até os 11 anos é concreto, ele se processa pela experiência. Além disso o desconhecimento sobre a atividade do órgão sexual de um adulto não permite que a Criança memoriza sem ter vivenciado. E, como muito bem lembrou a autora, a vítima fala os abusos com palavras, mas, sobretudo, com representações, com desenhos, com comportamentos peculiares, com encenações, com brincadeiras, com gestos. A mãe consegue fazer essa varredura enorme nas diversas vias de comunicação da Criança, para que ela exiba em todos esses canais o relato dos incestos praticados? Essa seria uma façanha extraordinária!
Todas essas ideias, precocemente, antecipadas pela Douta autora se sedimentaram nestes 13 anos que se seguiram a essa publicação. Hoje temos um corolário de ideias pseudocientíficas que estruturaram uma espécie de seita que embebe as denúncias de abuso sexual intrafamiliar, os incestos praticados.
Em 2010, a autora desse livro profetizou num capítulo que chamou de “Incesto e o Mito da Família Feliz”, escreveu à pág. 171: “Nos processos que envolvem abuso sexual, a alegação de que se trata de alienação parental tornou-se argumento de defesa. Invocada como excludente de criminalidade, o abusador é absolvido e os episódios incestuosos persistem”. Mais uma precisão professada.
Podemos afirmar que 100% das defesas de genitores que foram denunciados por prática de incesto, recorreram à lei de alienação parental e, na sua grande maioria, obtiveram como prêmio pela ousadia de terem sido acusador do crime de estupro de vulnerável que praticavam com seus filhos, a guarda unilateral para eles. Ou seja, ganharam, legalmente, seu brinquedo de perversidade.
Ressaltamos, no entanto, que esta é uma simples constatação, não vamos chamar de pesquisa o que não passou pelas leis da Pesquisa. Conhecemos uma ideia pseudocientífica, aliás muito perniciosa, que transformou uma simples contagem de um único Fórum, em laudos feitos pela mesma pessoa e seus subordinados, que ganhou o título de “pesquisa”, sem ter tido nenhum tratamento estatístico, nada. E que segue sendo citada como se fosse uma pesquisa. Mas ninguém se indaga, nem vai verificar, como aquele enorme percentual atribuído a uma falsa afirmação ganhou uma “credibilidade” atribuída à pessoa que o espalhou tida como “de notório saber”. Se houve ou não estudo, grupo de controle, cálculo de desvio padrão, se foi submetido às leis da universalização, o “notório saber” de uma pessoa bastava. E basta.
Assim nascem as ideias pseudocientíficas e são alimentadas pela preguiça intelectual. Mas a proteína mais substancial que as alimenta é a desonestidade intelectual de um pequeno grupo que espalha, irresponsável e inconsequentemente, uma mentira que se cobre de pedaços de Ciência, se maquia de conceitos distorcidos de alguma área de Conhecimento que se avizinha, para tirar proveito próprio.
Neste mesmo capítulo, pág. 176, sob o subtítulo “A Cegueira da Justiça”, a dra. Berenice diz que o Judiciário legitima o incesto e que a impunidade reforça a invisibilidade dele. E, logo adiante, escreve que “A Justiça acaba sendo conivente com o infrator, culpabilizando a vítima”.
Ao longo desses 13 anos as coisas mudaram para pior. Continuo pensando assim e constatando cada vez mais barbarismo. As ideias pseudocientíficas ganharam status de dogmas, essas afirmações escritas pela Douta autora se multiplicaram. Milhares de mães foram ceifadas em seu Direito à Maternidade, milhares de Crianças perderam o Direito dado pela Natureza a ter sua Mãe. Foi instalada a danosa Privação Materna Judicial sob o eficiente edredom do segredo de justiça. E tudo sob a égide de ideias pseudocientíficas vendidas por atacado.