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Gestores conhecem soluções, mas pouco adotam para reduzir desigualdades ambientais

Por Luciana Constantino/Agência Fapesp

Amplamente divulgadas em países da Europa e nos Estados Unidos, iniciativas envolvendo soluções baseadas na natureza (Nature-based Solutions ou NbS, na sigla em inglês) ainda são escassas em municípios brasileiros e pouco adotadas nas políticas públicas locais mesmo quando os gestores conhecem o conceito.
Esse é um dos principais resultados de uma pesquisa recém-publicada por cientistas das universidades de São Paulo (USP) e da Federal do ABC (UFABC). Baseado em questionários e grupo focal com técnicos e responsáveis por projetos em cidades das cinco regiões do País, o estudo busca contribuir para a redução da lacuna de conhecimento dessas soluções, que abordam os desafios da sociedade por meio da proteção, gestão sustentável e restauração de ecossistemas, beneficiando a biodiversidade e o bem-estar humano.

Formado por diferentes escalas, o NbS dispõe de uma série de ferramentas para cidades que buscam reduzir as emissões de gases de efeito estufa, tornando-se mais resilientes ao clima e ecologicamente saudáveis. A pioneira no conceito foi a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), uma organização que reúne desde 1948 mais de 1.400 membros de governos e da sociedade civil de 160 países e desenvolveu uma definição formal e padrão global como salvaguardas para seu uso.

Atualmente, países do hemisfério Norte têm focado em agendas de recuperação e de desenvolvimento dos municípios baseadas em NbS, com projetos e estudos voltados ao tema. Porém, há casos em que essas iniciativas acabaram, por exemplo, provocando o aumento do custo de moradias e o deslocamento de pessoas de um bairro com mais infraestrutura para outro mais distante da região central, ampliando desigualdades.

A pesquisa buscou, entre outros aspectos, olhar se essas políticas que chegam de países do Norte são adaptadas por aqui e se estão dando certo. Tivemos a confirmação de que há um crescimento do tema nas cidades brasileiras. Os gestores estão capacitados e familiarizados com o conceito de soluções baseadas na natureza, mas o problema é priorizá-lo na tomada de decisão”, explica à Agência Fapesp o cientista social e planejador urbano Pedro Henrique Campello Torres, professor da USP e autor correspondente do artigo.

E completa: “Se as políticas públicas que priorizam a implementação de soluções baseadas na natureza forem implantadas em áreas onde já existe infraestrutura, está sendo perdida uma oportunidade de resolver problemas de desigualdade de acesso a melhorias ambientais. Isso reverbera na saúde pública, em áreas de lazer e também é um tema relacionado à questão do racismo ambiental”.
O trabalho é fruto da pesquisa de pós-doutorado de Torres apoiada pela Fapesp. O cientista social também desenvolve um projeto conduzido no âmbito do Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Relatório Mundial das Cidades publicado em 2022 pela ONU-Habitat estimou que, pelo ritmo atual, as áreas urbanas passarão dos atuais 56% da população global para 68% até 2050. E, apesar de uma desaceleração no ritmo da urbanização durante a pandemia de covid-19, a projeção é de que até 2050 essa população receba um acréscimo de 2,2 bilhões de pessoas.
Por outro lado, o documento aponta que os impactos da pandemia aliados às incertezas econômicas globais, guerras, como a da Ucrânia, e conflitos em diferentes partes do mundo podem aumentar a pobreza em mais de 30% (mais 213 milhões de pessoas) até 2030, com reflexos de longo prazo no futuro das cidades.

Para enfrentar esses desafios, o investimento em desenvolvimento urbano sustentável seria o caminho, com prioridade para a redução da pobreza e da desigualdade; o fomento de economias produtivas e inclusivas e a adoção de políticas ambientais que mitiguem as mudanças climáticas. Iniciativas como jardins de chuva, parques lineares, restauração de encostas de morros e agricultura urbana são modelos de ações que ajudam as cidades a se tornarem mais resilientes diante de eventos climáticos extremos, gerando benefícios para a sociedade.

Ilustração: Projeto do escritório Jaime Lerner para a recuperação do Minhocão (Foto:Prefeitura de São Paulo)

Passo a passo
Os pesquisadores desenvolveram um questionário elaborado com base nos elementos-chave das soluções baseadas na natureza, relacionados às dimensões de justiça e processos de gentrificação verde. Esses processos são desencadeados pela renovação verde de uma área urbana, que resulta em mudanças no perfil de moradores de determinada região devido a remoções e aumento de preços.

O questionário, com 14 perguntas, sendo seis abertas, foi aplicado a gestores, técnicos e responsáveis por projetos em municípios brasileiros selecionados. O objetivo foi diagnosticar o estágio de desenvolvimento e entendimento do conceito de NbS, bem como as referências usadas em sua prática e casos concretos, se houvesse. As oito questões de múltipla escolha tinham o objetivo de compreender como as dimensões da justiça estão relacionadas e podem ser integradas ao desenho e à implementação de NbS.

Responderam 31 pessoas de 20 municípios, entre os dias 9 e 27 de novembro de 2020, sendo a maioria integrante do ICLEI — Governos Locais pela Sustentabilidade https://americadosul.iclei.org/, uma rede global de 2.500 governos locais e regionais de 130 países envolvida com desenvolvimento urbano sustentável.
As cidades incluídas foram Rio de Janeiro, Nova Iguaçu e Niterói, no Estado do Rio de Janeiro; Boituva, Campinas, Sorocaba, Suzano, Santo André, Ribeirão Pires, Mogi das Cruzes e a capital, no Estado de São Paulo; São Leopoldo e Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; Joinville e Lindoia do Sul, em Santa Catarina; Belo Horizonte (MG); Curitiba (PR); Fortaleza (CE); Macapá (AP) e Cuiabá (MT).

Após a conclusão dos questionários, os cientistas fizeram um grupo de discussão, no dia 21 de dezembro de 2020, com um participante de cada região brasileira para apresentar os principais resultados e verificar possíveis diferenças regionais. Na terceira etapa, os dados do estudo e do grupo focal foram analisados para identificar as principais barreiras, desafios, lacunas e limitações, bem como oportunidades levantadas pela implantação de NbS nos municípios brasileiros.

Resultados
Dos entrevistados, 28,5% responderam ter conhecido o conceito de soluções baseadas na natureza por meio da academia, seguido por artigos ou livros (22%), cursos externos (10%) e parcerias com organizações não governamentais (10%).
Questionados se poderiam mencionar um projeto municipal de NbS, 18 dos 31 foram capazes de identificar o conceito, mas não conseguiram nomear os projetos individualmente. Foram citados os seguintes tipos de ações: reflorestamento para recuperação de bacia hidrográfica; jardim de chuva; implantação de parque com reflorestamento; parque linear; recuperação de áreas contaminadas; vias-parque construídas de forma ecológica e plantio de árvores para combater “ilhas” de calor.

Em relação aos mecanismos de financiamento que poderiam promover mais projetos e obras para soluções baseadas na natureza, 38% apontaram o fundo ambiental municipal, 26% parcerias público-privadas e 10% emendas parlamentares individuais ou coletivas.
Quando abordadas as ações que poderiam prevenir desigualdades, 28% responderam que a promoção da governança colaborativa seria um caminho e 22% falaram do envolvimento da comunidade local desde a fase de concepção da proposta até a implementação.

Quando perguntamos aos gestores se os projetos estavam direcionados a reduzir déficits ou carências de regiões sem estrutura, a resposta padrão foi não. Ou seja, ao contrário de estarem em áreas carentes, as iniciativas eram desenvolvidas onde já havia a maior parte das áreas verdes. Isso leva à manutenção de certo privilégio ambiental, com a parcela de moradores sem acesso permanecendo na mesma condição. Queremos o contrário: mais áreas verdes e soluções baseadas na natureza para que todos tenham acesso de forma democrática”, diz Torres.

Para avançar na discussão, o artigo traz três recomendações: articulação global e local para enfrentar questões estruturais e de financiamento; transparência e inclusão no desenho e implementação de instrumentos de proteção e de justiça ambiental; e processos participativos e com multiatores na governança e na implementação dos projetos.

Segundo Torres, o caso brasileiro pode contribuir para a discussão do tema em outros países da região sul do globo, com desigualdades e vulnerabilidades sociais semelhantes, como na América Latina, África e Ásia.
O estudo Just cities and nature-based solutions in the Global South: A diagnostic approach to move beyond panaceas in Brazil, dos pesquisadores Pedro Henrique Campello Torres, Daniele Tubino Pante de Souza, Sandra Momm, Luciana Travassos, Sophia Picarelli, Pedro Roberto Jacobi e Robson da Silva Moreno, também recebeu apoio da Fapesp por meio de outros dois projetos (18/12245-1 e 19/06536- 6). O texto está disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1462901123000503?dgcid=coauthor.

Fonte: GizModo

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