Cultura

Aconteceu na granja

Contava, meu saudoso pai, que nos idos dos anos 70, quando o mesmo já estava na reserva da polícia e trabalhava como inspetor de segurança em uma grande empresa mineira de vigilância que operava na capital, ocorrera um fato senão engraçado, um tanto quanto pitoresco. Acontece que a mencionada empresa mantinha um posto de vigilância numa grande granja de porcos que ficava lá para as bandas de Cariacica. No local havia mais de cem porcos de todas as cores, tamanhos, pesos e qualidades. Por isto, o esquema de segurança era reforçado para se evitar o furto dos cobiçados suínos e a equipe era formada por seis funcionários, sendo três espalhados pelas baias, dois na guarita e um fiscal na cancela, tudo para vigiar aquela imensa porcaria.

Contudo, os tempos eram de crise e já se passavam mais de seis meses sem que aqueles incautos vigilantes vissem um pedaço de bife pela frente. Para agravar a situação dos matutos, a empresa atrasava salários, já se aproximavam do fim de ano e não havia nem cheiro de décimo-terceiro salário.
Foi aí que Justino, o mais antigo do trio que ficava nas baias, teve a ideia de bolar um plano fabuloso afim de surrupiar um porco bem gordo para incrementar os festejos natalinos de sua comunidade, sem levantar qualquer suspeita ou colocar em risco os seus empregos.

Tomada a decisão, e após pedir perdão a Deus, ele passou a explicar a ardilosa manobra para os outros dois colegas de equipe, Sebastião e Roquinho, que, atentos, ouviam os detalhes da arriscada operação de descaminho. Justino disse que traria para o local um uniforme reserva e que, juntos, capturariam um “ronca e fuça” dos grandes, colocariam nele a farda, um boné da empresa, um par de óculos e o “capado” seria transportado na frente da camionete da fiscalização, espremido pelos dois comparsas. Tudo isto combinado com um “outro” inspetor, que ganharia um generoso pernil, por sua leniência, além da garantia de que seu nome jamais seria revelado.

Mas havia um grande problema que era passar pela fiscalização da guarita, eis que no dia premeditado, quem estava de serviço era o Fiscal Marcos Hengel, o Marcão. Marcão era um italiano alto e forte, de olhos azuis e que era famoso por ser rigoroso em seu serviço, uma mistura de “Hitler com Stalin” que se gabava em contar quantos vigilantes já mandara embora, sem direito a nada.

O medo era grande, mas a fome era maior. Aceita a missão, a inglória “trupe” colocou em prática o seu ousado plano, sequestraram um “baita baé”, enfiaram-lhe uma farda, com boné, óculos e tudo e o espremeram no carro, entre o Sebastião e o Roquinho, conforme o combinado e seguiram para a cancela, sobre o pretexto que iriam jantar e aproveitariam para buscar lavagem para os porcos. Já escurecera e tudo estava indo muito bem, sendo que até o “cevado” refém, sem entender direito o que acontecia, se comportava dentro do possível, apesar dos arrotos e grunhidos que vez em quando deixava escapar. Chegando à guarita, a guarnição foi parada na cancela por Marcão e sua equipe.

De lanterna na mão, o fiscal que mais parecia um agente de “Gestapo”, cravou-os de perguntas, mandou abrir o porta-malas do carro e iluminou a boleia, por inúmeras vezes, à procura de algo suspeito. Nesse passo, os ocupantes da viatura tremiam e rezavam, acreditando que seu plano seria descoberto, que eles seriam presos e demitidos por justa causa, que perderiam o apetitoso refém e seriam expostos à ruína e à desgraça de uma vergonha sem limites, com direito a manchete no jornal. Depois de muita suga e sofrimento, veio a tão esperada ordem de liberação, e o motorista da VTR foi saindo bem devagarinho e passando pela cancela, quando ouviram de longe o murmúrio do diligente e carrasco Marcão, que balbuciou: “Rapaz, em vinte e cinco anos de trabalho neste posto, eu nunca tinha visto um vigilante tão esquisito e tão feio, baixinho, troncudo e mal-humorado. Valha-me, Deus!”.

Nem precisa dizer que foi um sufoco danado, seguido de um alívio profundo, mas toda vez que a turma se reunia, meu pai sempre contava o causo e lembrava da festa de fim de ano regada a batucada, cachaça, cerveja, torresmo, linguiça e a boa e velha feijoada. Estórias do meu velho Pai que eu não esqueço. De certo, neste momento, ele deve estar rodeado de amigos no céu, contando, causos, estórias e algumas “mentirinhas”, como ele gostava. Sua benção, Sargento, descanse em paz.

Mário Vieira

Mário Vieira

Capixaba, casado, autor e advogado

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