Cultura

‘Pesadelo Tropical’: Novo romance retrata ‘cangaço’ em Brasil Colônia pós-apocalíptico

Livro retoma lenda do justiceiro Januário Garcia, o Sete Orelhas, criminoso de Minas Gerais que teria sido pior que Lampião

“Para os nativos destas terras, a Colônia não é o Novo Mundo: é um amanhecer depois do Apocalipse”. É assim que o escritor Marcos Vinícius Almeida abre seu romance “Pesadelo Tropical” (Aboio, 2023), no qual imagina um Brasil colônia bem diferente do que estamos acostumados.
Hoje já é comum dizer que o Brasil foi invadido, e não ‘descoberto’, mas acho que a nossa ficção ainda não conseguiu mostrar isso. Mostrar como nossa história é um acúmulo de massacres. Para quem vivia aqui antes, a chegada europeia é o fim do mundo. É nesse sentido que penso o processo de colonização como um universo pós-apocalíptico. Isso inverte a perspectiva eurocêntrica”, explica o escritor.
A história se passa em 1803, acompanhando um grupo de quatro mercenários guiados por um gigante albino chamado Cigano que viajam rumo ao Mato Grosso a fim de firmarem uma aliança com os indígenas guaiacurus após terem sido contratados pela Coroa Portuguesa.

Junto dos nativos, os personagens precisam organizar um ataque a uma vila de párias no alto da Serra da Mantiqueira que foi fundada por ninguém menos que o justiceiro Januário Garcia Leal, o Sete Orelhas.  Em “Pesadelo Tropical“, o passado se entrelaça com o presente em um mosaico onde fotografias, obras de arte e recortes de mapas dialogam com cavaleiros barrocos vagando por um Brasil imerso no tempo e amaldiçoado por Deus.
Segundo explicado pelo autor, que escreveu o livro como parte da sua pesquisa de mestrado na PUC-SP, alguns desses elementos são reais, outros inventados.

Juntei elementos históricos com ficcionais para dar forma ao livro. Existiu realmente uma gangue da Mantiqueira, mas o que eu queria mesmo investigar era uma forma de contar uma história assim”, afirmou Marcos Vinícius.

Livro já está em pré-venda no site da Aboio e devem ocorrer eventos de lançamentos em São Paulo (no Al Janiah, dia 21) e Minas Gerais (Feira do Livro do Varginha no dia 25 e cidade de Luminárias no dia 28).

Pesquisa de mestrado
Um detalhe importante sobre o escritor é que ele cresceu em Luminárias, Sul de Minas. A cidade fica na região onde teria atuado, entre o século 18 e o 19, a gangue dos Garcia, grupo fora da lei que teria cometido vários tipos de crimes.

Não sei bem se era um banditismo social que esses grupos marginalizados promoviam. Eram figuras ambíguas. Mas o fato é que as histórias dessas gangues entraram no imaginário popular através da memória oral. E depois foram parar nos livros, tanto de literatura, como de história. Há pelo menos três monumentos em homenagem a Januário Garcia na Cidade de São Bento Abade no Sul de Minas”, apontou Almeida.

“No mestrado, quando fui me aprofundando no assunto, descobri que a história do Sete Orelhas, publicado por Joaquim Norberto, foi um dos primeiros textos de ficção da Literatura Brasileira. Ela aparece em folhetim de jornal em 1832. Isso me deixou muito espantado. Não que essa história não existisse antes na memória oral, mas foi a ficção que a propagou. O exotismo da lenda em São Bento Abate é que a ficção se tornou história”, acrescentou.

Esfolamento
Marcos Vinícius revelou também como foi a fundo na pesquisa sobre a brutal prática do esfolamento, e como ela se conectava com as lendas sobre o Sete Orelhas.

Quando fui escrever meu projeto de mestrado, decidi que era o momento de escrever sobre essa história que ouvia dos contadores de caso desde criança. Tinha algo ali que me fascinava. Na versão mineira da lenda, a que eu ouvia no Sul de Minas, o irmão de Januário Garcia fora amarrado numa árvore e esfolado vivo. Existe uma fazenda ali em São Bento Abade que se chama fazenda Tira Couro, talvez em ‘homenagem’ a esse assassinato. As fontes históricas são muito precárias. Em alguns casos, a maioria das fontes da história de Januária Garcia são literárias e de cronistas sem compromisso com a verdade”, contou.

“Depois comecei a investigar essa questão do esfolamento, de arrancar a pele. Na versão paulista da lenda, eles arrancam a pele do filho de Januário. Na versão mineira, arrancam a pele do irmão. Foi procurar isso nos bandeirantes, nos mártires católicos, como São Bartolomeu, nos aztecas e nos ameríndios do norte. Recuei até Ovídio, no episódio do duelo de Apolo e o sátiro Mársias. Foi realmente uma surpresa ver essa cena de tortura ser transmitida ao longo dos séculos”, acrescentou Almeida

Fonte: Aventuras na História

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