Política

Moraes transforma ato sobre 8/1 em campanha aberta por maior regulação das redes

Ministro Alexandre de Moraes discursa em evento Democracia Inabalada e defende regulação da liberdade nas redes

Por Renan Ramalho, Tatiana Azevedo e Camila Abrão

O ministro Alexandre de Moraes usou a maior parte de seu discurso de condenação aos ataques às sedes dos Poderes, em 8 de janeiro do ano passado, para defender enfaticamente maior regulação das redes sociais. Ele discursou ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva e de diversas ‘autoridades’ no evento Democracia Inabalada, organizado pelo governo, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Congresso na tarde desta segunda-feira (8). Já Lula defendeu os participantes das manifestações do ano passado recebam punição exemplar.
Desde que assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022, Moraes é um dos maiores defensores de regras mais rígidas para obrigar as plataformas a remover, por iniciativa própria, conteúdos que considera “atentatórios” às instituições e ao Judiciário, que se multiplicaram nos últimos anos.
No ano passado, o principal projeto de lei sobre o assunto não avançou na Câmara pelo temor de parte da sociedade e das empresas de tecnologia de ampliação da censura — já praticada pelo STF e pelo TSE na suspensão de perfis de parlamentares e cidadãos, na maioria críticos dos tribunais e em boa parte apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Com o discurso nesta segunda-feira (8) no Congresso, em memória das invasões e de “defesa da democracia”, Moraes confirma o esforço renovado pela aprovação da proposta, também de interesse do governo. Conselheiros de Luiz Inácio Lula da Silva avaliam que as redes sociais se tornaram um território dominado pela direita dentro do debate político.

O pretexto do Executivo e do Judiciário em favor da regulamentação é conter o “discurso de ódio”, a “desinformação”, as “notícias fraudulentas” ou “fake news”, termos vagos que, na prática, tendem a abarcar manifestações de indignação e crítica dura a Lula, à esquerda em geral e ao STF em particular. Tudo isso, segundo vários ministros do STF e do governo, contribuiu para os atos de 8 de Janeiro e representariam ameaças à democracia.
Em sua fala, Moraes disse que não haverá impunidade dos responsáveis pelos ataques e, logo em seguida, passou a defender a regulação mais rígidas das plataformas — que, para ele, permitiram a disseminação livre de conteúdos que ele considera antidemocráticos.

Hoje também é o momento de olharmos para o futuro e de reafirmarmos a urgente necessidade de neutralizar um dos grandes perigos modernos à Democracia: a instrumentalização das redes sociais pelo novo populismo digital extremistas”, afirmou.

“Há necessidade da edição de uma moderna regulamentação, como vem sendo discutido no mundo democrático e já realizada, por exemplo, na União Europeia e no Canadá. As recentes inovações em tecnologia da informação e acesso universal às redes sociais, com o agigantamento das plataformas (big techs), amplificado em especial com o uso de Inteligência Artificial (IA), potencializaram a desinformação premeditada e fraudulenta com a amplificação dos discursos de ódio e antidemocráticos”, completou em seguida.

Lula chama Bolsonaro de “ex-presidente golpista”
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou seu discurso no evento em alusão ao 8/1 afirmando que é preciso respeitar opiniões divergentes para que os brasileiros possam viver em paz. Mas, na mesma fala, chamou os atos de vandalismo do 8 de janeiro de 2023 de tentativa de golpe frustrada que teria sido tramada por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Além disso, o petista se referiu a Bolsonaro como “ex-presidente golpista” e chegou a acusar o principal adversário nas eleições de 2022 de fazer alusão à violência durante a campanha presidencial.

Se a tentativa de golpe tivesse sido bem-sucedida, […] adversários políticos e as autoridades constituídas poderiam se fuzilados ou enforcados em praça pública, a julgar por aquilo que o ex-presidente golpista pregou em campanha e seus seguidores tramaram nas redes sociais”, disse Lula em seu discurso.

Ato é marcado por defesa do “máximo rigor da lei contra manifestantes”
Lula defendeu que todos aqueles que planejaram, financiarem e executaram os atos de 8 de janeiro de 2023 sejam “exemplarmente punidos”. “Não há perdão para quem atenta contra a democracia, contra seu país e contra seu próprio povo. O perdão soaria como impunidade ou salvo-conduto para novos atos terroristas no nosso país. Salvamos a democracia”, afirmou o petista. Lula elogiou também a atuação das polícias legislativas da Câmara e do Senado, as quais, segundo ele, “se recusaram a admitir o golpe e arriscaram as suas vidas no cumprimento de seu dever”.

Governo planejou capitalizar politicamente aniversário de um ano de 8/1
Após meses de preparação, o governo federal promoveu, na tarde desta segunda-feira (8), o ato chamado “Democracia Inabalada”. A cerimônia, organizada em conjunto com o Supremo Tribunal Federal (STF) e a presidência do Congresso Nacional, ocorreu no Salão Negro do Congresso.
O evento em memória do “aniversário” dos atos de vandalismo aos prédios do Três Poderes em Brasília contou com grande esforço de marketing, com direito a vídeos institucionais, vídeo com artistas, entrevistas de membros da alta cúpula do governo a jornais brasileiros e internacionais e uma extensa agenda de preparação que marcou os dias que antecederam o ato.

Com vistas a promover a imagem especialmente do governo federal e do STF como os grandes protagonistas da “defesa da democracia” — sob a alegação de que no dia 8 de janeiro de 2023 teria havido uma tentativa de golpe combatida principalmente por essas instituições; argumento que é rebatido por juristas — Lula chegou a pedir que todos os ministros do governo pausassem as férias para comparecer ao evento.

O ato, que teve início pouco depois das 15h e se estendeu até por volta das 16h, contou com a presença de autoridades e uma série de aliados de Lula (PT). Além do presidente, entre as autoridades presentes estiveram o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB); os presidentes do STF, Luís Roberto Barroso, do Senado, Rodrigo Pacheco, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes; o procurador-geral da República, Paulo Gonet, e alguns governadores — a maioria apoiadores de Lula. Todos os congressistas foram convidados, mas a maior parte dos parlamentares de oposição ao governo Lula negaram o convite. Já entre os governistas, a presença foi maciça.

Também compareceram ao evento a ex-ministra do STF Rosa Weber, que presidia a Corte na época dos protestos em Brasília, os ex-ministros Ricardo Lewandowski, que é cotado para assumir vaga no os ministros do governo, e Carlos Ayres Britto; ministros e secretários executivos do governo Lula e presidentes de estatais.
Representantes das organizações da sociedade civil aliados de Lula também marcaram presença. Uma dessas representantes é Aline Sousa. Integrante do Movimento Catadores do Distrito Federal, foi ela quem entregou a faixa presidencial a Lula durante sua posse em 2023.

Presidente da Câmara e governadores de oposição faltam a ato do governo
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), não compareceu ao ato organizado pelo governo e pelo STF alegando motivos pessoais. Em uma mensagem enviada a jornalistas no começo da manhã, Lira afirmou que não pode comparecer ao ato por questões de saúde na família em Alagoas, sua base política.
A ausência acontece em um momento de tensão elevada entre o Executivo e o Legislativo. O presidente Lula usou medidas provisórias no início do ano para anular decisões do Congresso de dezembro sobre a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores e sobre o estabelecimento de um calendário para o pagamento de emendas parlamentares.

Também não compareceram os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), do Paraná, Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD), Eduardo Riedel (PSDB), do Mato Grosso do Sul; Ronaldo Caiado (União) de Goiás; Mauro Mendes (União), do Mato Grosso; Gladson Cameli (PP), do Acre, Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais.

Zema chegou a afirmar que iria ao evento, mas depois cancelou sua presença após receber pressão de lideranças de seu partido. O líder do governo no senado, Randolfe Rodrigues, lamentou a ausência de autoridades no ato Democracia Inabalável. “Faltar num evento como esse é insistir no atentado de 8/1″, disse. Sobre a ausência do presidente da Câmara, Arthur Lira, Randolfe disse que não se insere nesse contexto, e que “as manifestações de Arthur Lira foram claras em defesa da democracia, o deputado reconheceu o resultado das eleições, e repudiou o 8/1”.

Fonte: Gazeta do Povo

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