Cultura de Estupro de Mulher e Estupro de Criança — Parte IV
As campanhas estão repletas de “instruções” para que a vítima diga “Não”. No entanto, não temos campanhas que fundem uma Cultura de Credibilidade na Voz da vítima
Mais um Feminicídio. São tantos, que nos perdemos. Mas em nome de todas as Mulheres que foram assassinadas pelo simples fato de serem Mulheres, escolhemos um ato de violência extrema para chorar. A Palhaça Jujuba. Estuprada e esganada. Muito machucada.
Por quê?
Uma Palhacinha Solo. Ela e sua bicicleta. Apenas. Juntas elas rodaram o Brasil. Pedalando risadas, brincadeiras, alegrias, gargalhadas. Divertindo, construindo leveza para vidas sofridas, em espaços públicos, em qualquer lugar que acolhesse sem esforço, nem custos financeiros, os espetáculos de simples alegrias aconteciam. E a Palhaça Jujuba honrava a escolha de vida que havia feito. Por que estuprá-la? Por que assassiná-la?
É crime uma Mulher viajar sozinha? Ela estaria insultando alguém com essa escolha? Isso seria uma provocação contra alguém? É proibido viver de modo solo? O que ela fez de errado? O fato de ser uma Mulher toma um contorno que parece já estar estruturado há muitos e muitos séculos que antecederam a Palhacinha da bicicleta.
Os índices de barbárie são alarmantes. Já ouvimos e lemos essa frase inúmeras vezes. Mas… não há vontade política. A vulnerabilidade está no alvo. A cada 34 horas uma pessoa que pertence ao grupo LGBTQIA+ é assassinada com o uso da violência e requinte de crueldade. A cascata dos horrores tem dimensões que crescem a olhos vistos. Leis de garantia de Direitos estão escritas e publicitadas. Por que não existem para a pessoa da vez a cada 34 horas?
Os estupros se multiplicam. E foram acrescidos de uma nova modalidade: o ciberestupro. Adolescentes são vítimas de golpes virtuais e até mesmo uma condenação para essa nova formatação de estupro já ocorreu. Mas esse crime só aumenta, engrossando, ao que tudo indica, a vinculação com o suicídio de jovens que, desamparados e desesperados, em meio ao medo da exposição ameaçada, se matam. Passa em nossa frente essa nova modernização do trabalho escravo, aqui, sexual.
Não muito evidente, temos os desaparecimentos de Crianças. Especula-se muito, tráfico sexual e pornografia internacional de Criança, tráfico de órgãos, comércio internacional de Crianças para diversos fins, mas pouco se sabe, enquanto sociedade, que deveria ser mais consciente para o que acontece ao lado. Davi, seis anos, desapareceu há 20 dias, numa tarde, na praia, diante de muitas pessoas, perto de seu pai que trabalhava numa barraca que, por coincidência, estava no espaço de uma câmera de tráfego desativada, ou quebrada. O garoto, um lindo, evaporou. Há um pouco mais de um ano, três meninos, entre seis e nove anos, que jogavam bola num campinho perto de casa, também evaporaram. Uma menina, cinco anos, no início do mês de dezembro evaporou enquanto estava sentadinha nos degraus da porta de sua casa. São apenas alguns exemplos entre os milhares de casos de evaporação cotidiana de Criança.
E, de repente, somos invadidos por imagens de um homem, 71 anos, avançando num menino de oito anos que andava em seu patinete. Socos na cabeça, muitos, chegando a derrubar a Criança no chão, pontapés, uma violência inacreditável produzida por um homem corpulento contra a fragilidade de um corpinho magro e miúdo.
Chamou-me a atenção a sequência de imagens da paralisação pelo medo que a Criança sofreu, sem conseguir se mexer ao ver aquele homem/gigante esbravejando em sua direção. É a imagem fiel do que as Mulheres apontam como sendo a resposta ao predador, é o congelamento que paralisa. Imaginemos numa Criança o efeito desta resposta paralisante. Era a segunda vez que aquele menino era espancado por aquele homem, seu vizinho e marido da síndica do condomínio onde ambos moram. É visível o pavor que toma conta daquela Criança naquele momento em que fica estático. É só observar aquela cena e todas as outras ao nosso redor. Resta alguma dúvida? Por que ficamos insistindo em sobrecarregar ainda mais a vítima de uma violência, cobrando dela que “se resolva”. As campanhas estão repletas de “instruções” para que a vítima diga “Não”, para que ela saia da situação de agressão, para que ela, como se paladino fosse, buscasse a lei e a justiça.
No entanto, não temos campanhas que fundem uma Cultura de Credibilidade na Voz da vítima. Além de insinuar que ela não “resolveu” com seu agressor, na primeira página desses episódios de violência, é lançada a dúvida, insinuada a mentira da vítima.
Tomamos conhecimento de proposta de Reforma do Código Civil que não se preocupou com nenhuma dessas razões para que uma Cultura de Reforma de Comportamento Social Civilizado pudesse ser encampada em Voz Alta. Lamentável que a preocupação ficou em torno de criminalizar mães, penalizar com a destituição do Direito à Maternidade. Enquanto isso, nossas Crianças vão sendo vicariamente agredidas pelo Estado após sofrerem os Estupros Domésticos Incestuosos.