Em tempo de luta pelo direito de Ser Mulher, pelo Direito de Ser Criança — Parte V
A guarda compartilhada é um instituto que precisa ser muito bem estudado, muito bem pesquisado em sua sequência e suas consequências, principalmente com uma escuta especializada na observação de benefícios e malefícios
Já está sendo arrumada a cama com amarras para amarrar Mulheres e Crianças no leito das perversidades. A característica da ideologia vigente é a manipulação, a dissimulação, a inversão semântica, para soterrar a realidade com falácias iníquas, que são seguidas à risca, como se Ciência fossem.
A Lei 14.713/2023, Lei que veio em socorro das Crianças que são entregues a seus algozes, apontando duas Exceções para a aplicação compulsória da acachapante Guarda Compartilhada. Parece que ninguém se deteve numa reflexão que continue depois do jargão de divisão das Crianças em duas partes para contemplar os dois genitores, os adultos. não há nenhum acompanhamento, nenhum estudo que venha fundamentar a afirmação de que a guarda compartilhada é ideal. Mas, ideal para quem? Alguém já se interessou para perguntar e avaliar as Crianças-caramujos, mochileiras precoces? Do ponto de vista teórico do desenvolvimento infantil, essa duplicidade de casas, com cheiros distintos, com sabores alimentares diferentes, com métodos disciplinares diferentes, com manifestações de afeto diferentes, com madrasta e padrasto, com simulacros de irmãos, pessoas que não são da família mas jogam um faz de conta para facilitar a vida dos adultos, enfim, não é benéfica. Tudo em dobro. Tende a dificultar a apreensão, já difícil, da realidade. Estamos tocando uma área de maior possibilidade de adoecimento psíquico, terreno das cisões mentais, das psicoses.
Não estou dizendo que toda guarda compartilhada seria psicotizante, mas que essa duplicidade de vários itens pesa no desenvolvimento saudável da Criança. E, se há algum tipo de fragilidade em qualquer das áreas em desenvolvimento, essa duplicidade cobrará em dobro o esforço da Criança pelo seu crescimento.
Tornar compulsório, obrigatório o regime de guarda compartilhada, agora pela proposta de Reforma do Código Civil ganhando nova alcunha, justificada por pormenores interpretativos com vistas à “modernização”, deixa o odor de um autoritarismo pela uniformização de todas as Crianças. Será que se inspiraram naquele ideal inalcançável, utópico, de que todos somos iguais perante a lei? A guarda compartilhada é um instituto que precisa ser muito bem estudado, muito bem pesquisado em sua sequência e suas consequências, principalmente com uma escuta especializada na observação de benefícios e malefícios. Mas ninguém sabe o depois. Só reaparece em Feminicídios e filicídios nem contabilizados pela conexão que pode ter havido. A Guarda Compartilhada é excelente como ideia, mas de difícil execução. Se o casal se entendesse às mil maravilhas, não se separaria…
Eis que sou surpreendida pela tentativa proativa de formatar a lei 14.713/2023. Essa lei que veio socorrer parte das Crianças punidas com a obrigatoriedade de convivência com o genitor que praticava atos de violência física e de violência sexual, sendo desviada em seu propósito. Esta lei reza as duas exceções mais gritantes, mais evidentes da necessidade de afastamento do agressor/predador. Uma campanha aberta para propor o que foi chamado de “interpretação restritiva”. Notável a acrobacia!
A exclusão da violência sexual, parece-me, diz alguma coisa. Os tapetes existem também para esconder algumas coisas. Talvez haja a crença de que vamos esquecer que essas Crianças são alvo de atos lascivos incestuosos. Então restou a violência física, a outra exceção. E a eloquência rasa veio para ajudar a levar a um pensamento que beira o impossível. Também a violência física contra a Criança foi excluída nessa doutrinação da convivência a qualquer custo. Restou apenas a violência física contra a Mulher/Mãe.
A instrução de se fazer uma interpretação que relativizasse a violência doméstica trazia a hipótese de que nem sempre a violência contra a mãe é percebida pela Criança e que os adultos devem separar a Criança, ou Crianças, do conflito. Como afirmar que nem sempre uma violência contra a mãe afeta a Criança? Há que se ter em casa uma câmara à prova de som, e maquiagem cenográfica para esconder os hematomas, para que a Criança não escute e não veja as marcas da violência.
Fica evidente aqui o propósito de pintar a Criança como uma tábula rasa, sem percepção, sem capacidade de captação de emoções, portadora de extenso e intenso alheamento. Uma Criança com uma debilidade de perceber o mundo a seu redor. E a proposta, me parece, de se manter essa Criança enganada, o antigo “olha o aviãozinho”, para enfiar as colheradas de legumes goela abaixo.
Como se faz para se medir se uma violência, mesmo que habitando o subsolo do tapete da família, que hajam juras de que a Criança nunca viu nada, afeta ou não afeta uma Criança? Qual o instrumento de aferição psicológica que será usado para que se escreva num laudo que o genitor agressor pode e deve ter convivência com a Criança? Como já é habitual, pelo olhômetro ou perguntando para o genitor?
Fere nossos ouvidos certas falas professorais que enaltecem a ideologia da alienação parental, em busca de um verniz de seriedade, e seu inventor, Gardner, divulgado como psiquiatra, que não era, e como ocupado com as Crianças. Ele se ocupou de genitores acusados de práticas sexuais incestuosas contra Crianças. Percorrendo o que escreveu, não encontramos nenhum interesse pela Criança. Defendia a pedofilia como benéfica para a Criança. Defendia a permanência do genitor abusador em casa, e culpava a mãe pelos abusos cometidos pelo genitor. É preciso ler o próprio para não cair em equívocos grosseiros. Ressuscitar terminologia obsoleta, desprezada pela OMS, tem um propósito que se choca, frontalmente, com o Princípio do Melhor Interesse da Criança.
E, será que as pessoas acreditam mesmo que um agressor se torna um gentleman com a ex porque conseguiu a guarda compartilhada? Ele se cura, magicamente, da necessidade de sentir prazer pelo Poder aniquilador sobre um/a vulnerável? A sensação triunfante pela prática da opressão é seu gozo. Vai se contentar com regras e limites de respeito e gentileza com a pessoa que era a medalha de seu esporte favorito?
Quando começaremos a estudar e pesquisar, cientificamente, esses comportamentos de perversidade contra vulneráveis?