A carta
Naquela noite eu precisava levar uma carta, era algo importante e alguém dependia disso. Com responsabilidade eu parti para um lugar desconhecido para cumprir a missão. A viagem foi cansativa e levei alguns mantimentos. Assim que cheguei na pequena vila, percebi ser um lugar incomum, as ruas e casas eram praticamente iguais como se fosse um bairro projetado, porém, há duzentos anos. No centro do bairro havia uma igreja e uma pequena praça com alguns bancos. O curioso era que tudo estava pintado na mesma cor, tudo mesmo! A igreja era bege, os bancos da praça também e ao observar as casas, notei que cada uma delas, além de serem iguais em seus projetos arquitetônicos, também eram nas cores, aliás, na cor bege. Comecei a buscar o meu destino para entregar o recado, caminhei por horas e sempre retornava àquela praça e igreja. Em um momento percebi que no banco da praça havia uma mãe com uma filha, elas eram catadoras de itens para reciclagem. Sentadas, elas faziam uma refeição.
— Olá, você pode nos ajudar? — disse a menina ao se aproximar de mim.
— Sinto muito, mas estou com pressa, preciso fazer algo importante. — Respondi a ela com a mente no endereço que não conseguia encontrar.
A menina retornou para a mãe e eu para as ruas, percebi estar anoitecendo, a cada segundo eu ficava mais ansiosa ainda. Naquele instante, entrei em uma rua diferente, com uma longa subida, eu me guiava pelos números e quadras.
As horas se passaram rapidamente. No meio da madrugada eu estava exausta, o frio aumentava a cada minuto, com fome sentei em uma calçada, apenas aceitei que estava perdida naquele lugar estranho. A névoa tomava cada rua estreita, resolvi ficar ali, sem saber mais para aonde ir. Fiquei desesperada em pensar que passaria toda a noite naquela calçada, mas no lugar não havia hotel e o povo não parecia nada receptivo.
— Ei moça, você está perdida?
Ouvi uma voz infantil saindo da névoa bem diante dos meus olhos. Quando percebi era a mesma menina que estava na praça.
— Sim, eu estou perdida, não consegui encontrar o endereço e até agora não entreguei o recado.
— Minha jovem, nós podemos te ajudar.
Quando olhei, a mãe da menina também estava caminhando entre a névoa.
— Eu não sei como posso agradecer, estou perdida e preciso entregar uma carta importante. Sinto muito por não ajudar quando me pediram, eu podia ter ajudado, na verdade, estava com pressa para entregar a carta. Não vou encontrar uma desculpa para o meu erro.
— Não tem obrigação de fazer nada que não queira, mas o querer e ter empatia pelo próximo, é realmente uma ação para poucos. De qualquer maneira, vamos te ajudar.
— Obrigada, de coração!
— Apenas se lembre de hoje quando alguém voltar a te pedir ajuda. Esse será o melhor agradecimento. Agora vou te levar para nossa casa, poderá descansar até amanhã.
— Preciso que saibam que me sinto culpada, porém, aliviada com a ajuda de vocês. Sou ótima com endereços, mas esse daqui não parece ser deste lugar.
— Conheço a todos, prometo que ajudarei entregar a carta.
— Tem razão, agora percebo que nem sempre buscar cegamente o objetivo é o melhor a se fazer. Eu poderia ter ajudado você e também pedido ajuda, assim, estaríamos nos ajudando de fato.
— Não se preocupe, cada dia é uma lição e isso é o que importa.
Elas estenderam as mãos para eu poder me levantar do chão. Seus olhos estavam iluminados. Ao lado delas me senti acolhida, apesar da culpa que eu carregava, esqueci totalmente da carta, caminhei com elas entre conversas e agradáveis sorrisos. Naquela noite tive a certeza que não há nada melhor do que fazer o que é certo, ajudar.
Autora: Silvia Vanderss
Conto inédito: A carta
Palavras: 619