Comportamento & Equilíbrio

As Milícias Psicológicas contra a Criança e a Mulher — Parte III

As palavras se tornam armas e os pedaços distorcidos de termos técnicos são fuzis automáticos com silenciador. Aniquilam Mulheres e Crianças

As Milícias Psicológicas, como todas as Milícias, são compostas por elementos que se arvoram donos da lei, usam a opressão como arma, opressão que, nesse caso em pauta, se faz por palavras. As intimidações, no âmbito fora do doméstico, as ameaças e as penalidades são comunicadas em laudos, em manifestações escritas, em sentenças. Misturando fragmentos de termos técnicos com um enxerto de interpretações rasas e infundadas, está pronto o argumento maldoso que passa a ser a “regra dogmática”. As palavras se tornam armas e os pedaços distorcidos de termos técnicos são fuzis automáticos com silenciador. Aniquilam Mulheres e Crianças.

Se conseguimos ter uma Lei de Proteção para a Criança vítima de violência sexual, o negacionismo ganha espaço e a desqualifica. Afinal, a Criança é vista pelas pessoas que deveriam averiguar essa suspeita de violência, como um fantoche da mãe, um papagaio que repete o que a mãe manda dizer, uma marionete de ventrículo. Encontramos até quem se pronuncia postando que “não devemos levar a criança tão a sério”, referindo-se aos relatos das Crianças. Não foi um ambulante de calçada que pronunciou essa frase, com todo respeito aos que precisam se virar assim para poder se alimentar. São ataques letais à Dignidade da Criança. Sim, ela tem Dignidade. Mas tem sido aviltada por esse modus operandi miliciano.

A questão é que a Lei da Escuta Especial, Lei 13.431/2017, fundamentada em nova Metodologia, estudada e pesquisada pela Childhood Brasil por quatro anos, partiu desse mesmo ponto: a Revitimização que precisa ser evitada (Foto: Freepik)

A “avaliação psicossocial”, algumas vezes estendida para “avaliação biopsicossocial”, onde não se acha nada de biológico ou médico, porque até os Exames de Corpo de Delito feitos em Instituições Públicas, quando o médico legista indica que houve conjunção carnal adversa, uma psicóloga judicial esvazia e diz que ele foi precipitado pois precisaria ter visto várias vezes para completar assim o Formulário que é Padrão do Instituto Médico Legal. E este “argumento raso”, inadequado, invasivo na área de sua não competência, é aceito e o Exame de Corpo de Delito com positividade para violência sexual, é desprezado no processo. A extensão das Milícias Psicológicas é de sua própria determinação. Assim continuam a ser realizadas essas “avaliações psicossociais” por meses a fio, com acareação, em total revitimização.

A questão é que a Lei da Escuta Especial, Lei 13.431/2017, fundamentada em nova Metodologia, estudada e pesquisada pela Childhood Brasil por quatro anos, partiu desse mesmo ponto: a Revitimização que precisa ser evitada. Assim, a Metodologia, que muda o paradigma de investigação para acolhimento, escuta, tem no registro audiovisual a garantia do respeito à dor da Criança que sofre violência sexual, principalmente, quando ela é intrafamiliar.

Continuar praticando a avaliação psicossocial é a desobediência à Lei 13.431/2017, que tem no seu enunciado que fica determinado que toda Criança pode ser escutada dentro da Metodologia dessa Lei. Evidentemente, que acareação, nem pensar.

Para camuflar, camaleão é exímio dissimulador, espalhou-se que a Escuta Especial está sendo praticada. Uma mistura nociva que traz de volta a sala de espelhos, traiçoeira atitude técnica que engana a Criança, dando aos agentes da justiça, aos advogados da parte do genitor/agressor, e o próprio genitor/agressor a “direção” do que se torna, disfarçadamente, a inquirição retrógrada e massacrante. Essa é uma mistura que tem por objetivo a deformação da Escuta acolhedora da criança. Deforma, completamente, a postura técnica ao introduzir perguntas de pessoas que estão, misteriosamente, atrás de uma parede de espelho, quebrando, assim, a segurança e o acolhimento da Criança traumatizada pela violência incestuosa.

Essa é a lógica miliciana: não precisa revogar a Lei da Escuta, respeitosa. Basta manipulá-la, deformá-la, promovendo uma confusão de ideias misturadas ao bel prazer, destruindo assim seu objetivo protetor. Essa é uma confusão, Escuta Especial e Depoimento Sem Dano, muito garantido para a manutenção da impunidade.

Mãe e bebê (Foto: iStock)

Outro resultado exitoso das Milícias Psicológicas é o que se refere à crença de que o genitor é essencial ao desenvolvimento da Criança. Num país em que há milhões que não têm nem o nome no papel da Certidão de Nascimento, porque eles não assumiram a paternidade desde a primeira notícia da gravidez, e que nenhuma Vara de Família vai atrás para chamar à responsabilidade, lançar essa crença é paradoxal. Claro que o pai, digo o pai, exercendo sua função de pai, é muito importante porquanto promotor de desenvolvimento saudável. Mas genitor que reclama somente depois que é suspeito de cometer agressão contra a Criança, muitas vezes com evidências de inadequações, de negligência a doenças de dependências químicas, não pode ser considerado pai.

No entanto, temos sentenças determinando Guarda Compartilhada a partir do nascimento do bebê. Sim. Todas as manhãs com o genitor, desde o 1º dia de vida. Sabemos que surgem várias perguntas sobre como viabilizar a vida de um recém-nascido, partindo a rotina dele no meio do dia. Quem nunca teve o privilégio de acompanhar um filho, talvez imagine que existe um dia, um horário, uma organização cronológica nos primeiros dias, primeiras semanas, e até primeiros meses de uma Criança.

Também a outra crença, extensão da anterior, que determina que a visitação assistida não faz mal para a Criança que foi estuprada ou espancada. Há uma certa desconfiança sobre a veracidade dos relatos da Criança, do registro da Escuta Especial, quando a sorte bate à porta e ela acontece, mas aquela crença sobre o “direito do pai”, amparado na frase equivocada de que “pai é pai”, induzem ao erro de praticar uma revitimização continuada, muito maléfica e predadora. A Criança fica sendo obrigada a se aproximar daquele que lhe mete medo.

Existem agentes de justiça que acreditam, tem sempre uma linha de credo, que ela vai se acostumando e que não tem perigo porque ela está acompanhada então não vai ser estuprada. Deletam da mente que apenas a visão de seu estuprador reativa toda a cena sexual repetida por inúmeras vezes. Ou alguém tem a ilusão que o tratamento para quem tem medo de barata é trancar a pessoa num quartinho com dezenas de baratas para ela se acostumar?

Milícias Psicológicas são compostas por pessoas sem escrúpulos, sem caráter, e plenas de perversão. A marca d’água dessas milícias está em todas essas e outras maldades intencionais. Precisamos identificá-la para promover a boa Proteção Integral da Criança, hoje desacreditada, desqualificada, oprimida, atacada em sua Dignidade pelas Milícias Psicológicas.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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