Comportamento & Equilíbrio

Pai bom existe — Parte II

Ser um bom pai inclui, principalmente, paciência para esperar o ritmo do filho, filha. E essa espera, por muitos meses, é silenciosa

Como construir uma Função Pai quando não se recebeu nenhum estímulo para ser um cuidador de qualidade? Estão entranhadas, nas profundezas de sua existência, as “emoções de homem”, como deve se comportar ancorado nelas.
Sem nenhuma orientação, deve descobrir sozinho as delicadas emoções da sensibilidade, da empatia, da espera, da impotência diante do não saber a que um bebê faz mergulhar. E começar a aprender a suportar que, após seu enorme esforço, o bebê chora e pede, claramente, o corpo da mãe para se aconchegar. Não pode, e não deve ficar ressentido com isso. Ao contrário, deve ficar contente por ter escolhido uma mãe que o bebê, seu filho, gosta tanto e onde se sente tão confortável e seguro. Esse é um processo de constituição do vínculo afetivo. Aliás, é equivocado pensar que vínculo tem relação de dependência com convívio. Podemos construir um vínculo com um pai já morto. E é saudável.

A mãe dá continuidade a um tipo de vínculo afetivo de outra ordem. Ela já se sente vinculada sem nunca ter visto o bebê. Parece que ele também. Tudo indica. É um vínculo afetivo visceral, quase concreto, e que precisa fazer uma viagem de aprendizagem da separação de corpos, que vai demandar dela um outro tipo de percepção. Para ela, parece fácil se ligar ao bebê que saiu de sua barriga. Sabemos, no entanto, que não é tão simples assim. Nem é garantida a boa vinculação sentida desde o início pelo interior de seu corpo, por suas vísceras. Mas, olhando por um certo ângulo, pode ser facilitador, assim como pode ser atrapalhador.

(Foto: iStock)

Por outro lado, para o pai, a formação do bom pai parece vir em branco, ele precisa juntar cores, texturas, formas. Apenas a carga ancestral de modelos congelados que obstruem essa construção afetiva podem atrapalhar. Faz-se necessário ultrapassar essas barreiras que obstruem os afetos. Permanecer encastelado em preconceitos e medos, não permite a formação de um bom pai.

A oferta de um novo colo, de uma nova sustentação aconchegante, é muito importante. Inaugura a possibilidade de experimentar variação de emoções e afetos, que, em busca, de asseguramento, enriquecendo a vida afetiva. Preciso respeitar a morosidade da aquisição da segurança afetiva dos pequenininhos. Ser um bom pai inclui, principalmente, paciência para esperar o ritmo do filho, filha. E essa espera, por muitos meses, é silenciosa, silêncio só quebrado pelo choro, a resposta é quase que oculta. Não há evidência dessa construção do vínculo afetivo, há pequenos sinais, ainda instáveis.

Para além da paciência, ele precisa aprender também a não ter resposta, a não ter certeza de que está atendendo seu bebê. Não há reciprocidade consistente, e é a generosidade que lhe garante continuar nessa empreitada, como se se movimentasse no escuro em lugar novo.

(Foto: iStock)

Mas, parece-me que a maior dificuldade está na solidão do pai que decide ser um bom pai. Solidão porque não há manual de instrução, não há incentivo nessa viagem pelas emoções delicadas que ele precisa conhecer, perder o medo, e se deixar inundar por elas, sem se perder dele mesmo. É errado pensar, e às vezes criticar, o homem que se esforça por fazer um vínculo afetivo saudável, o que é muito variado como é variada cada dupla pai/filho/a.

A sintonia necessária é construída aos pouquinhos. O desenvolvimento psicomotor, da linguagem, cognitivo, patrocinado pelo afetivo, trará novos desafios, mostrará mais as diferenças e divergências dos olhares do pai e da mãe. A triangulação se pronunciando mais e mais, provocando mais e mais amadurecimento aos três. É lastimável quando a triangulação denuncia uma incapacidade de um dos adultos de perder uma ilusão de Poder da situação da díade, mais primitiva. Todos perdem.

Ana Maria Iencarelli

Ana Maria Iencarelli

Psicanalista Clínica, especializada no atendimento a Crianças e Adolescentes. Presidente da ONG Vozes de Anjos.

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